quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Assombração



The Misfits para além de um enorme filme, tem uma aura trágica inigualável. A pungente estória de quatro inadaptados no Nevada, e a sua luta contra os seus próprios medos para tentarem criar laços entre si, é um prodigioso guião de Arthur Miller, pensado como um veículo "sério" para as capacidades de representação de Marilyn Monroe, a sua esposa na altura. E como ele acertou em cheio. Marilyn tem o melhor momento da sua carreira na pele da atormentada Roslyn, mais vulnerável que sexy, e talvez por isso mesmo, mais sexy que nunca, numa arrebatadora demonstração do seu potencial inexplorado. O resto do icónico elenco não lhe fica atrás nos retratos dos seus inadaptados, embrulhados pelo belíssimo preto e branco (especialmente no deserto) escolhido por John Huston. A rodagem foi bastante atribulada, entre o casamento acabado de Miller e Monroe, que só anunciariam depois do filme terminado, os complicados locais de rodagem, a gestão dos egos de tantas estrelas, os inúmeros fotógrafos da Magnum à solta pelo plateau (como Bruce Davidson, que tirou a foto aí em cima de Montgomery Clift, Marilyn Monroe e Clark Gable na galhofa, observados por Eli Wallach, Arthur Miller e John Huston) e ainda uma estranha complacência de John Huston, habitualmente senhor do seu set, para com todo este caos, e em particular, para com os atrasos de Marilyn.
E depois há a tragédia pós-filme, que o transformou numa película particularmente assombrada. Foi o último filme de Marilyn, que se suicidaria, um ano depois. Foi o último filme de Clark Gable, que faleceu de doença coronária, uns meses depois do fim da rodagem, não tendo chegar a ver o filme estrear nem o nascimento do seu primeiro filho. E foi também um dos últimos filmes de Montgomery Clift, que viria a falecer também precocemente, poucos anos depois, depois de anos de abuso de drogas e álcool.