terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O talento separar-nos-á

Por estes dias releio O Diabo e o Bom Deus, o meu livro preferido de Jean-Paul Sartre. Dos que li, é o que melhor representa o ideal humanista sartriano. A acção da peça desenrola-se na Alemanha do séc. XVI e tem como personagem principal, Goetz, um fascinante senhor da guerra que, através das suas escolhas morais, vai evoluindo do absoluto para o relativo, do Mal para o Bem. Goetz não quer, verdadeiramente, acreditar nem em Deus nem no Diabo, a sua verdadeira ambição é praticar absolutamente o Mal, ou absolutamente o Bem, para ser ele mesmo Deus ou o Diabo. A sua escolha pelo Bem, só se dará quando se apercebe que o Mal só existe na dependência do Bem, que só se define a partir do Bem, não podendo ser, portanto, absoluto.
A grande questão que fica depois de o ler é: por que raio é que Sartre nunca ganhou um Nobel? Ah, já me lembro! Recusou, mas não o fez sem oferecer aquela que é quanto a mim, a mais singela e  brilhante fundamentação para a recusa de um prémio, fica aqui um excerto (pouco aconselhável a quem sofre de comichões marxistas):
 
"Quando digo "um homem feito de todos os homens", vale para mim como para todos e significa, consequentemente, uma tal comunidade, em profundidade, entre as pessoas, que, verdadeiramente, o que as separa é o que as diferencia; dito de outro modo, acho que é melhor realizar em si, de forma radical, a condição humana, na medida do possível, do que apegar-se a enormes diferenças específicas que chamamos, por exemplo, de talento..."