sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sobrevivência II

Há o amor dos amorosos. Há o orgulho dos orgulhosos. E há um homem (ya, assim mesmo, com "h" pequeno) que deambula a caminho de casa, menos cambaleante que o desejado, e cuja única preocupação na vida é entender porque é que o telemóvel caiu ao chão, assim se desprendendo da sua fiel bateria, e já não dá as horas certas. A única coisa pior do que chegar tarde e a más horas a casa, é não saber em que proporção é que se o faz (e vão treze dias de sorte desde o último postal).


sábado, 5 de fevereiro de 2011

O fundador da cena

Só para o caso de haver dúvidas sobre quem é o Conan O'Brien e porque é que o Dean Wareham tem tanta sorte em ser seu amigo (é crime desperdiçar uma oportunidade de linkar Coco).

 

O baixo fundador

Só para o caso de haver dúvidas sobre quem é a Naomi Yang e porque é que Dean Wareham tem tanta sorte em ser seu amigo (é a senhora que aparece aqui neste vídeo, a tocar uma magistral linha de baixo).


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Do ressabiamento

Dean Wareham só pode ser um dos gajos com mais sorte do mundo. Quais são as probabilidades de um gajo conhecer na universidade Conan O'Brien e Naomi Yang? E nem estou a ser picuinhas com a questão do talento que o gajo, obviamente, também tem. No outro dia deram-me a ouvir Luna, o que já não acontecia há algum tempo, e voltei a cair na esparrela. E claro que logo a seguir vieram os Galaxie 500. Não é fácil viver neste limbo de música brilhante e ressabiamento eterno. 23 minutes to Brussels dos Luna ao vivo, aí em baixo.

 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A velha mochila vermelha

À porta da estação de comboios, ele tentava afastar o cabelo desgrenhado da frente dos olhos. O facto de não o lavar há uma semana e a barba grande, decididamente não ajudavam à delicada operação. Mesmo assim, nunca lhe tinha passado pela cabeça que cabelo empeçado pudesse doer tanto, e quanto às comichões, preferia nem pensar nelas. Havia mais em que pensar, de facto. A sua última semana tinha-se limitado à preparação para aquele momento. Noites passadas em claro, a fumar e a beber, a escrever uns versos, a alinhar uns acordes, a chorar quando conseguia, enfim, tudo o que o auxiliasse na capital tarefa de chegar ali, àquele momento, com o pior aspecto possível e num estado de auto-comiseração bíblico. Não era estratégia virgem e já dera vistosos e suculentos frutos. Na verdade, apresentava até um ar bastante descansado - às noites em claro tinham-se seguido, invariavelmente, dias inteiros a dormir, para além de que nunca tinha tido grande estômago nem para álcool nem para fumos - e não era a vestimenta, que tão esmeradamente tinha escolhido e com a qual dormia há uns dias, que ia alterar essa realidade.
À sua frente lá estava ela: magra, cabelo curto, seios e nariz empinados. A roupa que vestia não podia ser mais apropriada - tendo em conta que aquela que ali se apresentava era, nada mais nada menos, que a mulher que lhe tinha partido o coração - um fato acizentado. Limpo, profissional, justo. Parecia outra sem o habitual blusão de cabedal, que ele lhe tinha oferecido, e sem as calças de ganga desbotadas, que ele lhe tinha rasgado. No nariz restava uma leve cicatriz, silenciosa testemunha - talvez mais silenciada do que silenciosa, vendo bem as coisas - do metal que ainda há uma semana atrás lhe adornava o rosto.
Aos pés dela, reconheceu a velha mochila vermelha que tão fielmente os acompanhava desde que a tinham encontrado - lembrava-se como se fosse hoje - abandonada nos balneários dum qualquer parque de campismo. Tinham-na recolhido e tomado conta dela como de um filho. Mostraram-lhe o mundo: não havia festival de música, estação de comboio ou parque de campismo que aquela mochila não tenha conhecido. Não conseguia evitar pensar que se aquela mochila falasse, talvez ela os pudesse salvar. Embora ele soubesse, por experiência própria, o quão contraproducente era fantasiar em horas de aflição, sentia-se resvalar perigosamente.
Seria aquele um sinal de que ela não estava mesmo decidida a apanhar aquele comboio? Ou melhor, teria ela trazido a mochila "deles" na esperança que ele percebesse que o que ela realmente queria era que eles apanhassem aquele comboio juntos, como tantos outros? Rumo a uma vida nova? A outras mochilas? Por outro lado, de certeza que ela não tinha outra como aquela. A capacidade de arrumação da velha mochila vermelha, com todos os seus bolsos e compartimentos secretos, era verdadeiramente impressionante.  Se fosse ele a partir em vez dela, também não teria pensado duas vezes entre confiar os seus pertences àquele intrincado e sofisticado sistema de divisões almofadadas ou a uma outra qualquer. Isto se não a tivesse deixado na casa dela, como parecia ser o caso. 
A aparente imobilidade dela não o impedia de descortinar um leve menear de ancas, tão subtil quanto preciso. Ele sabia lê-la como ninguém. Ela própria, em tempos, o tinha admitido. E a mensagem que aquelas ancas transmitiam era simples e clara: "a vida continua, vais conhecer outras pessoas, vais ter sexo, mas não como este...".

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Não é o onde, é o como

LeRoy Grannis "Midget Farrelly Surfing Shore Break, Makaha" (1968)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Licença poética

Um gajo querendo, encontra poesia em qualquer lado. Há quem a encontre de pé, no meio do quarto, olhando através da janela para uma bomba de gasolina. Há quem vá caminhar para o meio da natureza à procura dela e depois a encontre na auto-estrada no regresso a casa. Tinha um amigo na secundária que a encontrava numa música dos Pearl Jam em específico. Prefiro não me lembrar qual. Tive um professor que jurava que se cruzava com ela todos os dias, algures no metro. Tive um outro, antes desse, não muito distante geograficamente mas a quilómetros de espírito, que a encontrava nos artigos de opinião do João César das Neves. Porra, se até há quem a consiga encontrar no cinema do Iñárritu, tem que haver em todo o lado. O que retira algum mérito aos artífices. A não ser que os artífices sejam os sentidos de quem a apreende. Mas aí somos todos poetas. E eu conheço muita gente que de poeta não tem nada. Aliás, fui educado na convicção de que um poeta é alguém que vê algo que escapa à maioria e o transmite de um modo que continua a escapar à maioria mas que toca uns quantos de tal maneira, que são deles para sempre. Ora, isto não se encaixa, nem de perto nem de longe, na descrição da maior parte das pessoas que conheço. Se calhar, há mas é por aí muitos mentirosos, pelo menos em relação à quantidade de poesia que têm nas suas vidas. Ou então não são mentirosos e fazem o que podem, como todos nós. É incrível a quantidade de desculpas que as pessoas arranjam para não abrir um livro de poesia.