Não gosto do frio. Nasci e cresci nos mares do sul. Não há volta a dar. Podia viver vinte anos acima do Círculo Polar Árctico, que todos os dias acordaria a queixar-me que está "um bocadinho fresquinho". Mas o frio tem coisas boas. Um homem não consegue sair à rua, quando estão quarenta graus, de calções, t-shirt e chinelos, e sentir-se uma fortaleza inexpugnável, sentindo que aquilo é uma batalha entre ele e o seu Deus. Isso só é possível saindo à rua com o tal casaco que repousa pacientemente durante dez ou dez meses e meio do ano no roupeiro, cachecol, luvas e mais tudo o que couber debaixo do casaco (eu não uso gorros nem cenas na cabeça em geral) para enfrentar aquelas brisas finlandesas que colam cadeiras à calçada e empalham cães à sua passagem. Com o frio, as miúdas besuntam-se de batom para o cieiro. Alguns sabem bem. Aprecio particularmente os que sabem a frutas. Não precisam de ser coisas muito exóticas, afinal de contas não é Verão, é Inverno. Manga, maracujá ou goiaba já é um bocado demais. Um clássico como morango. Frutos vermelhos, vá. As garrafas de vinho do Porto e outros líquidos com mais de vinte graus de álcool reaparecem de repente nas prateleiras dos bares e tascas e irradiam calor só de olhar (embora alguns amigos me jurem que estão lá o ano inteiro). Num fenómeno inverso, as velhas e as cervejas bem geladas são submetidas a um qualquer recolher obrigatório e desaparecem. O que só não é mais triste porque no coração fica-nos a certeza que as cervejas vão voltar sãs e salvas quando as temperaturas subirem.