terça-feira, 31 de agosto de 2010

Actor de método

The whole experience of getting people to do things was incredible. There was a guy named David Pokotilow that we used a lot; one of the people who hadn't acted before. He played the boyfriend and was a chess player and a violinist. He did the first party scene and said "Listen, that's it." And, as you know, that can't be it. "You have got to do this!" He said, "No, I don't want to do this." So he promissed me he'd do a scene running through the park. He didn't show up. We were standing out there in the park. I knew where he lived and I ran over to his house with a couple of other guys. "John, I'm with a girl for Chrissake. I'm not a actor, God, I'm so fat and ugly and I don't want to do this. I don't want to. I just hate it. I hate you." So I said, "David, you have got to do this. If you do it, I swear to God, I'll get you a chess set." I knew he loved chess. "You get the chess set. You come back with the chess set and then I'll do it." So we ran out like a bunch of idiots, got the chess set, came back. He says, "Put it by the door so I can see it." He opens the door and he says, "Ok, I'll do it." So we get down to the park. There's a scene with Tony Ray and I said, "Hey, you run after him." He said, "I'm not running for anybody." I said, "Please, you can run twenty yards?" He said no. I said, "Please run twenty yards." I'm reduced to nothing. And I'm standing there in the sunlight and the cold and everything and Bennie says, "Jesus, man, I'd just deck him.""David, what can I give you?" He said, "A Stradivarius.""I can't give you a Stradivarius. You know I can't afford a Stradivarius, but maybe we can rent it for you." So he ran twenty yards. He said, "That's it." He went home.

em Cassavetes on Cassavetes, de Ray Carney
  

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Esgar rotineiro

Anda um gajo uma vida inteira a tentar cultivar rotinas só em relação a hábitos socialmente censuráveis para de repente, quando pela primeira vez se presta a uma rotina considerada digna de um homenzinho responsável na maioria dos países ocidentais, se aperceber que nestas residem respostas a questões tão pertinentes como por exemplo: qual a melhor hora do dia para ouvir o vulgarmente denominado White Album? e melhor ainda, qual a verdadeira missão desse álbum esbranquiçado neste planeta? Acontece que o dito duplo disco, e mais concretamente a While My Guitar Gently Weeps, tenho agora a certeza, foram paridos para este mundo com o simples propósito de me acompanhar na saída de casa, especificamente, no meu carro, que nunca julguei ser veículo merecedor de tal honraria, não obstante o impecável gosto musical que vem demonstrando há já largos anos. Puxa-se dos óculos de sol, abre-se bem os vidros (todos), engata-se a primeira e ainda a embraiagem está a subir quando o dark horse dispara: "I look at you all, see the love, there that's sleeping, while my guitar gently weeps, I look at the floor, and I see, it needs sweeping, still my guitar gently weeps" (o que por si só já é o propósito da vida condensado em duas linhas, mas adiante). Depois disto não oiço mais nada. O resto da viagem sou eu a visualizar, em super slow-motion, o esgar de George Harrison, com a barba e o bigode dos setentas, no exacto momento em que acaba de pronunciar weeps e se prepara para fazer a seis cordas choramingar (e não, na minha cabeça não são quatro Beatles, é Harrison sozinho que faz tudo, embora a formação vá variando ao longo do disco). Quando caio de novo em mim, o carro está está estacionado e eu a labutar como se fosse um cidadão respeitável, o que, a grosso modo, significa que embora conheça perfeitamente o meu local de trabalho, não faço a mínima ideia de como lá chegar.
 
 

P.S. - Esta versão é de um concerto em  1971 (um bom ano, quando ainda nenhum Beatle tinha quinado) pelo Bangladesh. Não sei como é que isso ficou, mas acredito que Harrison os tenha salvo. Os bangladeshianos, claro, que com os Beatles, como se sabe, a coisa não tem corrido por aí além.

domingo, 29 de agosto de 2010

Velha Europa

Henri Rousseau "The Sleeping Gypsy" (1897)

sábado, 28 de agosto de 2010

Da validade da memória

Vim da sala rendido ao alecrim dos irmãos Safdie: bem-humorado, ternurento, livre, catártico. Por mais vontade que tivesse de teorizar sobre a memória enquanto processo criativo, e o papel mais que central que desempenha neste início de século (ou será desde sempre?), só me vem a cabeça o que alguém, no seu afamado estilo pragmático, me dizia sobre isso da memória. Mais coisa menos coisa, despachava o assunto com o argumento de que os Dirty Projectors o tinham feito antes de virar moda, referindo-se a Rise Above, suposto exercício de recriação de memória de Damaged, disco dos Black Flag intensamente ouvido por David Longstreth na infância. Isto vindo de alguém que não viu, nem muito provavelmente verá, o filme dos irmãos Safdie, e que não sabe o bem que lhe fazia. Ou se calhar, e encaro agora esta possibilidade (com renitência, mas encaro-a mesmo assim), não lhe fazia era mesmo bem nenhum, bem pelo contrário, e é só a minha memória que também já deu início ao processo criativo em relação ao passado recente. Há recordações que deviam vir com um prazo de validade, para sabermos quando é que já não é de confiar na sua frescura.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Arcade Fire ou Arcade Fire?

Ainda não dei ouvido à séria ao último dos Arcade Fire, mas gosto tanto da capa como do título. São uma banda por quem comecei por ter uma paixão assolapada, via o tal mítico concerto em Paredes em 2003 (que a avaliar pelo que vou lendo e ouvindo, cresce de audiência todos os dias, e muito especialmente quando os canadianos lançam um disco novo - qualquer dia já não há bilhetes disponíveis), que foi lentamente dando lugar a um certo cansaço e enfado com tanto propósito épico e com o ter de haver quase sempre uma geração inteira a acompanhá-los nas suas frases de ordem até ao êxtase final. Não por acaso, das muito poucas vezes que ainda volto à discografia arcadiana é à procura do registo mais contido como em Crown of Love ou Ocean of Noise. Deste Suburbs oiço dizer que está menos grandiloquente, o que me parece boas notícias e também oiço, volta e meia, presumo que seja o single, uma grande linha de baixo a invadir as ondas hertzianas. Que continuam a ser um fenómeno não tenho dúvidas nenhumas. Não me lembro de uma banda que conseguisse com tanta convicção tornar-se tão igualmente uncool, de amar como de odiar.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

BSO vacances

O último do Fachada pela fresquinha, algures entre a cama e o primeiro mergulho no mar, para ir sacando as ramelas e ir espreitando o mundo, por entre estórias da, por esses dias, distante capital, fachada style (por mais que não se esteja sintonizado no modo irónico a essa hora do dia, aquele ritmo e aquela melodia dão umas boas-vindas muito eficazes). 
Odd Blood, dos Yeasayer (disco a que já não contava voltar - I blame it on the vídeo para Madder Red, a melhor canção do disco finalmente feita single), a seguir ao almoço, perfeito para a dupla tarefa de digerir o peixinho grelhado e a salada sem nunca deixar deixar cair os níveis de energia para aquele estado comatoso, que muitas vezes acaba em escaldão. Esse momento chegará mais à frente. O da soneca, não o do escaldão. 
At Echo Lake, dos Woods, é o disco por excelência para aquele período compreendido entre "já não queima" e "porra, é bué tarde, baza tomar banho e jantar". De preferência em movimento, de preferência com os cabelos ao vento, corpo quente, travo a sal na boca, com o volume alto suficiente para incomodar os outros (é um disco para partilhar, sem dúvida) mas controlado o suficiente para não distorcer guitarras tão preciosas. Chega o prometido momento: a última faixa deve ser ouvida na rede na varanda, deixando escapar por entre dentes, a intenção de ir tomar banho, enquanto se adormece (é também o momento por excelência do dia para se receber sinceramente alguém nos braços, e como dizia há pouco, para acordar já bem depois da hora recomendada para jantar). Conselho de amigo: se a letra de Time Fading Lines não estiver decorada pelo fim das férias, é de ir ao neurologista.
King of the Beach, de Wavves, ao contrário do que o nome possa sugerir, não é disco nem para a praia nem para horários diurnos, é para a noite: cerrada, eufórica, daquelas de antes quebrar que torcer. Coros perfeitos para cantar em grupo e não menos perfeitos para desafinar em grupo, a partir de uma determinada hora ou quantidade de álcool, conforme o que se atingir primeiro. Na competição inevitável com Crazy for You,  dos Best Coast, pelo título oficioso de disco supra-sumo do Verão de 2010 (e não é só por causa do raio do gato, não, eu nem gosto de gatos) sai vencedor por uma margem bem grandota (onde Crazy For You é só atmosfera, King of the Beach é nervo).

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Se este gajo não for adulado em barda

É porque se passa qualquer coisa de muito errada neste país. E vem aí o disco do ano.



terça-feira, 24 de agosto de 2010

A arte de sentar

They get up there and they’re all alone. And the only thing they have is the material to support them. And in between times a person says, “I don’t like what you did. Perhaps if you did this, it might be better”. And no matter how you say that, it always comes out just as crudely as that. And the actor’s feeling is,“You don’t like the way I sat? I’ve been sitting down that way all my life! Stay out of my life! Stay out of my guts! I don’t need you around!

em Cassavetes on Cassavetes, de Ray Carney

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Há um processo em curso

Todas as manhãs dou 62 chibatadas nas costas, ainda em jejum, como parte da minha penitência diária por ainda não ter visto Leonard Cohen ao vivo (duas por cada faixa do Songs of Leonard Cohen e do Songs of Love and Hate; uma por cada faixa do Songs From a Room e do New Skin for the Old Ceremony, meia chibatada por cada faixa do Death of a Ladies' Man e, nos dias mais pró-Israel, uma pela totalidade do Recent Songs). Mas, verdade seja dita, o bardo canadiano também não me tem facilitado em nada a tarefa. Há dois anos decide tocar em Lisboa no mesmo dia que em o Lou Reed por cá se apresentava, situação que eu engenhosamente resolvi optando ir ver os My Bloody Valentine a Madrid. Daí para a frente, nunca mais se esqueceu de passar todos os anos pelo Pavilhão Atlântico, não necessariamente para um concerto, mais para um evento em que dá seguimento a esse bonito processo de voltar a encher a carteira que parece que anda demasiado leve por estes dias, cortesia de um contabilista que por certo nunca terá ouvido os seus discos, para ter incorrido em tal heresia (aproveitando a passagem cá pelo burgo, atrevo-me a deixar-lhe uma sugestão: Old Jerusalem, não só ouviu os discos como já roubou tudo o que podia, era menos isso com que Cohen tinha de se preocupar). Aliás, processo esse, que considero da mais elementar justiça que se concretize, por duas razões muito simples: um homem com a lírica e a dicção impecável do Cohen, não deve ter de pensar em finanças, por mais que isso contrarie a sua condição judaica, quando encosta a cabeça no travesseiro, somente em Deus e nas mulheres; um homem que consegue com a mesma naturalidade, comer a Janis Joplin e usar os fatos completos (incluí o colete, atenção) mais sofisticados do mundo não devia sequer ter de se deslocar para nos vir assaltar (devia ser ao contrário, aproveitando nós a ocasião para lhe agradecer por ser a consciência amargurada da humanidade), quanto mais ter de passar pela vergonha de ter disfarçar esse assalto sob a forma de um concerto.
Pode ser que terminado o processo na carteira de Cohen, haja oportunidade para um concerto mais condizente com a sua música e com um preço menos condizente (os únicos lugares no Atlântico em que se pode vir de lá desconfiado de que se esteve num concerto são só 75 €) com um festival de 5 dias. Mas há que encarar o facto de que isso muito dificilmente acontecerá. E até faz sentido que assim seja. Por que raio é que o homem haveria de nos querer aturar, ainda por cima em pessoa, quando for de novo rico? É tão óbvio para ele como para nós que não o merecemos, para além de que pode perfeitamente desempenhar o seu papel de consciência da humanidade a partir do conforto da sua mansão.
Cohen é mesmo assim: mais perda do que ganho, mais frustração do que satisfação. Voltando às chibatadas pré-pequeno-almoço, atente-se no seguinte: se qualquer um de nós se dedicar a uma boa sessão de auto-flagelação ao som de, por exemplo, Bob Dylan, o mesmo não nos soará necessariamente melhor por esse facto, ou se repetirmos o mesmo processo, digamos com os Beatles, também não me parece que retiraremos daí qualquer vantagem não identificada à partida. Mas com Cohen, a coisa muda de figura, aquilo é música (aquilo são palavras) que aponta ao coração (não ao metafórico, mas àquele órgão ensanguentado que labuta noite e dia), e quanto mais flagelada a carne, quantas mais feridas abertas, mais lhe facilitamos o inevitável caminho que tem de percorrer. Não serena a alma nem a carne, penetra-as inclementemente com um só objectivo: as nossas vísceras. Basta um desgosto seguido de uma audição de um qualquer disco do homem, para nos darmos conta disso mesmo, de que se instalou qualquer coisa lá dentro que nunca mais sai.
Naturalmente que não estarei presente, como não estive o ano passado, nesse evento que é uma experiência, em termos sónicos (expressão arriscada tendo em conta que me refiro ao Atlântico), tão interessante como um concerto dos Queen numas águas-furtadas no Bairro Alto. Vou antes vendo o Bonnie Prince Billy quando ele por cá vai passando, assim como assim, já cá estão as feridas e mais vale aproveitar.
  

domingo, 22 de agosto de 2010

Do calor

André Derain "L'Estaque" (1906)

sábado, 21 de agosto de 2010

Aberto para secagens

O meu irmão foi para perto de Tondela e agora queixa-se de que aquilo está cheio de emigrantes e carros quitados de matricule française. É o mesmo que eu andar a ouvir o novo dos Black Mountain e depois vir para aqui queixar-me do quanto me doí o pescoço ou de que só vejo chão e cabelo há uns bons dias.