quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O meu preço

" - Espero que goste tanto dela que a compre. Já estou a ficar farta de tanta gente que enche a casa de lama e depois se decide por outra coisa. É uma casa encantadora e tudo funciona bem - terá de acreditar na minha palavra -, mas sei que há por aqui gente que vende casas com instalações perigosas, fossas sépticas sem escoamento, canalizações obsoletas e telhados que não vedam. Aqui não há nada disso. Antes de falecer, o meu marido certificou-se de que estava tudo em perfeita ordem, e o único motivo por que vendo a casa é porque para mim não há aqui nada, agora que ele partiu. Absolutamente nada. Num lugar como este não existe nada para uma mulher sozinha. Em termos de tribo, é como uma tribo normal. Viúvas, divorciadas, homens sozinhos, os anciães da tribo correm com eles todos. Cinquenta e sete é o meu preço. Não é o preço que peço, é o meu preço final. Investimos aqui vinte mil e o meu marido pintou-a todos os anos, até morrer. Em Janeiro pintava a cozinha. Quer dizer, as sábados e domingos e aos serões. Depois pintava o vestíbulo e a sala de estar, a sala de jantar e os quartos de cama, e depois, em Janeiro seguinte recomeçava de novo pela cozinha. No dia em que faleceu estava a pintar a sala de jantar. Eu estava no andar de cima. Quando digo que ele faleceu, não quero que pensem que morreu durante o sono. Enquanto estava a pintar eu ouvi-o falar sozinho. - Já não aguento mais -, disse ele. Continuo sem saber a que se referia. Depois saiu para o jardim e deu um tiro na cabeça. Foi nessa altura que descobri a espécie de vizinhos que tinha."

em Bullet Park, de John Cheever