quinta-feira, 9 de julho de 2009

No campo de jogo

"- Harry - pergunta com afecto e ousadia -, porque foi que a deixou? É óbvio que está profundamente preocupado com ela.
- Já lhe disse. Faltava qualquer coisa
- Que coisa? Essa coisa alguma vez existiu? E tem a certeza de que possa vir a existir?
O putt de Harry está a meio metro, a distância é demasiado curta. Pega na bola com dedos furiosos.
- Olhe, se não tem a certeza de que existe, não me venha perguntar a mim. Se o senhor não sabe do assunto, então ninguém sabe.
- Não - exclama Eccles no mesmo tom com que gritou com a mulher para que ela mantivesse o coração aberto à Graça. - O Cristianismo não busca o arco-íris. Se fosse o que você julga que é, serviríamos ópio aos fiéis durante os serviços religiosos. Tentamos servir a Deus, não queremos ser Deus.
Pegam nos sacos e seguem o caminho apontado por uma seta de madeira.
Eccles continua a explicar-lhe.
- Tudo isto foi estabelecido há muitos séculos, nas heresias da Igreja Primitiva.
- Pois eu posso dizer-lho porque sei o que é.
- O que é? O que é? É duro ou mole? É azul, Harry? É vermelho? Às bolas?
Coelho sente-se deprimido ao perceber que o clérigo quer de facto que ele lhe diga. Por baixo da sua atitude de superioridade de quem tudo sabe acerca da Igreja, quer que ele de facto lhe diga, que lhe diga que está ali e que não mente todos os domingos aos seus paroquianos. Como se não bastasse tentar encontrar algum sentido naquele jogo absurdo, tem de aguentar um louco que lhe tenta engolir a alma. A alça quente do saco magoa-lhe o ombro."

em Corre, Coelho, de John Updike