"Quando começava a amanhecer, lá fora, levantou-se. Foi até à janela. O céu sem nuvens, por cima das colinas, começava a clarear. Enquanto olhava, as árvores e a fila de prédios de apartamentos de dois andares do outro lado da rua começaram a tomar forma. O céu ficou mais claro, a luz espalhando-se rapidamente por detrás das colinas. Com excepção das vezes em que tinha passado a noite de pé, por causa de um ou outro dos filhos (o que não contava, porque nunca tinha olhado lá para fora, passando a noite entre o quarto e a cozinha) muito poucas vezes na sua vida tinha assistido ao nascer do Sol, e isso só acontecera em pequena. Sabia que nenhum tinha sido como este. Em nenhuma das fotografias que vira ou nos livros que lera tinha aprendido que o nascer do Sol fosse uma coisa assim tão terrível.
Esperou algum tempo, depois foi até à a porta, deu a volta à chave e saiu para o alpendre. Fechou o roupão junto ao pescoço. O ar estava húmido e frio. Pouco a pouco, as coisas em redor iam-se tornando muito visíveis. Deixou os olhos captarem tudo até se fixarem na luz vermelha intermitente no topo da torre da rádio, no alto da colina do outro lado.
Atravessou o apartamento sombrio, de regresso ao quarto. Ele estava num molho, no meio da cama, com os cobertores amarrotados por cima dos ombros e metade da cabeça enfiada debaixo do travesseiro. Tinha um ar desesperado, mergulhado no seu sono profundo, com um braço estendido para o lado dela da cama e os maxilares cerrados. Enquanto ela olhava, o quarto ficou cheio de luz e os lençóis sem brilho embranqueceram intensamente sob o seu olhar.
Ela humedeceu os lábios com um som pegajoso e pôs-se de joelhos. Apoiou as mãos em cima da cama.
- Meu Deus! - disse ela - Ajuda-nos, meu Deus? - pediu."
em A Mulher do Estudante, de Raymond Carver