sábado, 19 de dezembro de 2009

Febre do balanço




A quantidade e a velocidade com que absorvemos informação disparada de todos os quadrantes possíveis e imaginários torna quase impossível compilar os melhores isto ou aquilo do ano, quanto mais da década (de uma perspectiva com o seu quê de preguiçosa também, claro está). As listas, que todos os anos fazia e debatia, parecem-me um exercício tão inconsequente este ano que chega a ser ridículo, mesmo com o bónus do final dos anos zero. Para além disso, fica-me a sensação que o sentido de história ultrapassa-nos, que a maioria dessas reflexões reflectem cada vez menos o verdadeiro prazer que se tirou das coisas, e mais um compromisso com a luz a que se antecipa que serão vistas amanhã.
Mas não me dedicar à compilação não significa que não apanhe uma pontinha da febre do balanço e não dê por mim a tentar ler as marcas que me foram ficando pelo corpo ao longo destes anos. Sem pensar muito, tentando só ver o que se carrega sempre ali, à flor de pele.
Umas das primeiras que me surge são na verdades duas, In the Bedroom e Little Children, as duas longas-metragens realizadas esta década por Todd Field, a que volto regularmente. Não é por acaso que ambos os filmes são adaptações de obras de dois grandes escritores norte-americanos, Dubus e Perrotta, tendo este último inclusive co-escrito o guião, nem é por acaso que ambos são dois dos mais prodigiosos representantes do cinema americano deste século. Desenvergonhadamente literário se necessário (a voz-off de Little Children), o cinema de Field é um diálogo incessante entre a forma e o conteúdo, com essa dicotomia presente em cada composição, em cada meticuloso movimento. Que nos desdobra, levando-nos não para dentro das suas personagens, porque as observamos sempre de longe, de muito longe, do "não consigo sequer julgá-las" longe, mas ao mesmo tempo a habitá-las, a partilhar tudo aquilo que se vai revelando fora da vista do nosso "outro eu". Descaradamente silencioso se necessário (o doloroso segundo acto de In the Bedroom), nunca sacrifica a sua inteligência em favor da estética, e por isso mesmo torna-se impossível de sacudir ao levantarmo-nos da cadeira, recusando-se a ser abandonado na escuridão de uma sala de cinema.