terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Sheeeeeeeeeeeeeit

A primeira entrada no meu obituário sentimental anual não foi Rohmer, mas sim o The Wire, de quem me despedi nos primeiros dias do ano. Nos últimos meses tenho-me dedicado a pôr-me a par dos dourados anos zero, televisivamente falando, em prejuízo da habitual cinefilia. E se, no meio de grandes guiões e grandes interpretações, muitas das séries não foram mais do que confirmações daquilo que já me tinha apercebido pelo visionamento esporádico de um ou outro episódio, The Wire foi tudo isso e muito mais.
Ao longo das suas cinco temporadas, espraia-se sublimemente por vários instituições, ou facetas da vida de uma cidade se quisermos, sem as compartimentar (como habitualmente se faz para melhor definir um raio de acção social), para criar não só o retrato mais realista e impressionante de uma cidade americana que já tive oportunidade de ver, mas mais que isso,  do que é viver em comunidade hoje em dia, das interligações, das escolhas que temos de fazer e as consequências que elas acarretam. É verdade que é um drama policial situado em Baltimore, mas só durante os créditos iniciais do primeiro episódio, depois é um épico humano situado neste planeta.
Embora fosse tendo a noção possível da grandiosidade daquilo que se desenrolava à minha frente, à medida que ia devorando episódio atrás de episódio, houve um momento em particular em que senti que a série toda podia estar ali condensada naquela sequência, naqueles movimentos sussurados, em tudo o que não precisa de ser dito: quando McNulty e Bodie conversam no jardim enquanto almoçam juntos pela última vez, a antecâmara da ária interpretada pouco depois por Bodie, a fechar a comovente ópera dos corner boys.