terça-feira, 30 de junho de 2009

Para estilhaçar

É para o que os recordes servem. E domingo, na fleumática relva britânica, outro será estilhaçado. Provavelmente, na mui desejada final de todas emoções. Murray, a viver o torneio da sua vida e com o apoio de um público eufórico por voltar a ter um brit com condições reais de ser o rei de Wimbledon, frente a Federer, à procura do 15º Grand Slam que o eternizará definitivamente como o melhor jogador de todos os tempos. Que tudo isto seja obtido com Nadal de baixa, é acima de tudo um problema de...Nadal.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Do verão e da acidez do deserto

Gonzo: I hate to say this, but this place is getting to me. I think I'm getting The Fear.
Duke: Nonsense. We came here to find the American Dream, and now we're right in the vortex you want to quit. You must realize that we've found the Main Nerve.
Gonzo: That's what gives me The Fear.
Duke: Look over there. Two women fucking a Polar Bear.
Gonzo: Please, don't tell me those things... Not now. This is my last drink. How much money can you lend me?
Duke: Not much. Why?
Gonzo: I have to go.
Duke: Go?
Gonzo: Yes. Leave the country. Tonight.
Duke: Calm down. You'll be straight in a few hours.
Gonzo: No. This is serious. One more hour in this town and I'll kill somebody!
Duke: OK. I'll lend you some money. Let's go outside and see how much we have left.
Gonzo: Can we make it?
Duke: That depends on how many people we fuck with between here and the door.
Gonzo: I want to leave fast.
Duke: OK. Lets pay this bill and get up very slowly. It's going to be a long walk.

em Fear and Loathing in Las Vegas, argumento de Terry Gilliam, Tony Grisoni, Tod Davies e Alex Cox, a partir da obra homónima de Hunter S. Thompson

domingo, 28 de junho de 2009

Pluvioso

Gustave Caillebotte "La Place de l'Europe, temps de pluie" (1877)

sábado, 27 de junho de 2009

Encharcado

Ontem houve celebração panque, suor e sorrisos num festival da cave sem álcool. Hoje encharco-me em uísque e dor. Porque é preciso manter o equilíbrio. Com uma canção que começa em "I" mas acaba em "You".



"I am an American aquarium drinker
I assassin down the avenue
I'm hiding out in the big city blinking
What was I thinking when I let go of you

Let's forget about the tongue-tied lightning
Let's undress just like cross-eyed strangers
This is not a joke so please stop smiling
What was I thinking when I said it didn't hurt

I want to glide through those brown eyes dreaming
Take you from the inside, baby hold on tight
You were so right when you said I've been drinking
What was I thinking when we said good night

I want to hold you in the Bible-black predawn
You're quite a quiet, domino, bury me now
Take off your band-aid 'cause I don't believe in touchdowns
What was I thinking when we said hello

I always thought that if I held you tightly
You'd always love me like you did back then
Then I fell asleep in the city kept blinking
What was I thinking when I let you back in

I am trying to break your heart
I am trying to break your heart
But still I'd be lying if I said it wasn't easy
I am trying to break your heart

Disposable dixie cup drinker
I assassin down the avenue
I've been hiding out in the big city blinking
What was I thinking when I let go of you"

sexta-feira, 26 de junho de 2009

As Variações do Michael e o Anjo Corrompido

Enquanto no Largo de Santo Antoninho se fazia um minuto de silêncio pelo quarto de século passado sobre o desaparecimento do ícone pope lusitano, algo estremecia no bolso. Eram as primeiras mensagens a chegar, que davam conta do desaparecimento do Rei da Pope. Se dúvidas houvesse ainda, Carlos Boto, qual anjo corrompido, voltou ontem a provar que continua a ser o meu portador por excelência de tragédias de impacto global. Na iminência do fim do mundo, só preciso de não me esquecer de carregar o telemóvel e não serei apanhado desprevenido.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Falta o propósito

Vivemos em tempos revoltos, é verdade. E o sol não está sempre limão, também o admito. Mas confundir passear com vadiar... Bailemos, então.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Porra!

terça-feira, 23 de junho de 2009

Escapadinha

Numa sexta-feira solarenga qualquer, apanhar boleia de um cargueiro ali para os lados do Beato e adormecer embalado pelo cheiro a fruta tropical, café e trigo. Atracar em Swansea, em noite de gloriosa tempestade e correr para o Kardomah Café, onde a torrente de rum faz corar de vergonha a de água que lá fora se abate sobre a telha nublada. Quando o crepúsculo matutino afagar as fontes bêbedas que se espraiam no chão ensopado, cambalear escadas acima até um quarto e cair vestido na cama onde jaz uma despida aspirante a actriz galesa. Aguardar pacientemente, de olhos fechados e faces rosadas, que o sibilar do vento norte na sua inglória luta contra as janelas de madeira envelhecida e inchada se vá moldando, pouco a pouco, até se conseguir distinguir Do Not Go Gentle Into that Good Night pela voz do próprio Dylan Thomas. Levantar, disfarçar as rugas nas vestes e no corpo, e penetrar no dia chuvoso em direcção ao porto. Apanhar boleia num cargueiro e adormecer embalado pelo cheiro a derivados de petróleo. Atracar em Lisboa, em tarde de fogosa dilatação dos corpos.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O futuro

Hoje vi o futuro. E quem já o viu, não tem coragem de lhe virar as costas.

domingo, 21 de junho de 2009

Dia da libertação

Max Lieberman "Badende Jungen (Boys Bathing)" (1898)

sábado, 20 de junho de 2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O teu sangue é nosso


Ao final da tarde fui ver o Shotgun Stories (Histórias de Caçadeiras). Ainda nem me tinha levantado da cadeira e já várias certezas me invadiam sem pedir licença. Primeiro, que tinha acabado de ver um belíssimo filme, tão bem realizado quanto escrito (ambos pelo estreante Jeff Nichols); segundo, que o mesmo Jeff, ou não tem irmãos, ou acobardou-se, ou até, poderá ter caído na tentação do final muito em voga no chamado novo cinema alternativo (anti-clímax com um toque de esperança). De qualquer das formas, partiu-se-me o coração ao chegar ao fim.
Porque ele nunca poderia ter-lhes feito aquilo que fez. Não depois de tão brilhantemente ter conduzido esta estória de guerra feudal entre dois grupos de meios-irmãos. Son, Boy e Kid (assim mesmo, porque nenhum dos progenitores os amou o suficiente para lhes dar um nome decente) de um lado e Mark, Cleaman, Stephen e John (a família pós-regeneração cristã que o pai criou) do outro. Todas as personagens têm o espaço, e acima de tudo, o silêncio necessário para crescerem no écran (a preocupação meticulosa com as personagens secundárias chega a colocar-nos no ponto em que estamos dispostos a seguir qualquer uma delas pelo resto do filme). E para além disso há o incrível Michael Shannon, uma fisicalidade que poucos têm em frente a uma câmera, e que constrói um Son assombroso (provavelmente o primeiro "pai" da história do cinema que se chama "filho"). O andar desamparado, o peso daquelas misteriosas marcas nas costas, o maxilar rígido, as lágrimas que nunca caem.
Quando Son jaz inconsciente no hospital, Annie, a sua mulher (que o tinha abandonado, levando com ela o filho dos dois no início), pergunta desesperada a Boy: "Porque é que isto tinha de acontecer?". Esta é a única interrogação durante todo o filme sobre o porquê de tal violência, e não é inocentemente que é ela a colocá-la. Porque ela é a única personagem que pode pôr essa questão. Todos os irmãos nesta estória, uns mais depressa que outros, há muito que carregavam essa resposta com eles. Resposta alías, a uma pergunta que nunca tiveram de colocar. Só ela, filha única, não a poderia saber.
Mas aparentemente, Jeff Nichols também não. E permite pouco depois, que Annie incuta algum bom-senso na cabeça do único irmão ainda em condições de se vingar, quebrando assim o ciclo vicioso de violência. Nunca, mas nunca, poderia ter sido ela a fazê-lo (qual olhar distante e imparcial qual quê! Este filme não é sobre olhares distantes, é sobre irmãos, sobre carne).
Tanto a vida como a morte são feitos de sangue. E se há batalha que alguns de nós podem dar como perdida, é a da temperança. Perdida à nascença, embora não necessariamente à nossa.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O tradicionalista

Há já uns tempitos que não faz parte da minha agenda a passeata pelo quintal do Sr. Calouste seguida de uma degustação intensa de ARTE. Assim mesmo, só com maiúsculas: ARTE. Dito com a mesma convicção com que se limpa o palato.
Mas se é para voltar, que seja em estilo. Dito e feito, que o Sr. Calouste não era para brincadeiras. O regresso será celebrado graças a uma daquelas raras oportunidades para os miúdos e graúdos de Lisboa verem, à distância de umas estações de metro, uma exposição abrangente dedicada a um pintor, cuja obra tem lugar reservado na história da pintura. Ainda para mais, do séc. XIX (que toda a gente sabe que foi um século do caraças para a pintura).
Henri Fantin-Latour de seu nome, um realista francês que pintou principalmente flores e grupos, muitas vezes representando-se a si próprio e aos seus amigos, entre os quais se contava gente como Manet, Renoir, Baudelaire, mas que, ao contrário das suas companhias progressistas se manteve um tradicionalista até ao fim da sua vida. A partir de 26 de Junho.


Henri Fantin-Latour "Un atelier aux Batignolles" (1870)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Táxi!

No outro dia apanhei um táxi. Pelo caminho, o chauffeur de praça fez questão de me explicar que estava um tempo filho da p***. Mas não se ficou pela generalidade e fez questão de fundamentar o porque da sua declaração. É que ainda há pouco tinha caido uma chuvada do c****** e agora estava cá um c***** de um calor. Partilhei a sua dor e reconfortei-o como pude. O táxi parou à porta de uma igreja. Aparentemente, porque eu lhe pedi que me levasse ali. Sai do táxi. Entrei na igreja. Não estava sozinho. Sentamo-nos. Conversamos. Duas chávenas, uma com mais cafeína que a outra. Fez-me bem a mim, e espero que tenha feito mal ao demónio. Aguardo ansioso por novo táxi.

terça-feira, 16 de junho de 2009

É só maganões

Ao anglo-saxão São Beda foram roubados pelo americano Maxwell Anderson, prolífico dramaturgo, que os usou na canção A Bird of Passage do musical Lost in the Stars, uma colaboração com o alemão Kurt Weill. Este tanto os admirou, que quando partiu, os roubou também, mais concretamente para a sua lápide, onde pensou que os teria seus para toda a eternidade. Também o germânico se enganou, não tendo contado com a capacidade de gamanço de uns portugueses feitos mexicanos. Mas também estes bravos foram à força espoliados daquilo que à força se tinham apropriado. O vencedor final? O do costume, o tempo. O tempo que faltou a uma música que nunca se gravou. Ei-los:

"This is the life of men on earth
Out of darkness we come at birth
Into a lamplit room, and then
Go forward into dark again"

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Já diziam os antigos

"There's the right way, the wrong way, and the Hemingway." Mas ainda não é este verão que acertamos contas. Não quando há uma Montanha Mágica a pavonear-se com um olhar carregado de desprezo, como quem diz: não és capaz, não és capaz outra vez. Hans, faz as malas!

domingo, 14 de junho de 2009

Ritmo procura-se

Paul Signac "Portrait de Félix Fénéon" (1890)

sábado, 13 de junho de 2009

Não somos todos?

Em nome do santo, saímos à rua. Sedentos, sugamos a vida. Dos corpos suados, dos jarros desbotados, dos bailes inesperados. Quando o sol irrompe, convalescemos no escuro, e saciados, deixamos o projector projectar-nos. Quando a imagem se extingue, ficam os sons, os sons que ecoam distantes, desde os topos rosa das montanhas negras. É deixá-los entrar.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Concluso

" - Umas rédeas - digo. Levanto-as de encontro à janela e olho-as através da luz. Não é nada invulgar; apenas uma brida de cabedal escuro e velho. Não percebo muito disso. Mas sei que uma parte encaixa na boca - é o freio. É feito de aço. As rédeas passam por cima da cabeça e continuam pelo pescoço onde são depois presas entre os dedos. O cavaleiro puxa as rédeas para um lado ou para o outro e o cavalo vira-se. É simples. O freio é pesado e frio. Se uma pessoa tivesse de usar uma coisa daquelas entre os dentes, depressa aprenderia. Quando se sentisse o puxão, sabia que tinha chegado a altura. Sabia que ia para algum sítio."

em As Rédeas, de Raymond Carver

quinta-feira, 11 de junho de 2009

In vino veritas

A cidade deserta pode ser a ruína de um profeta ou a comoção de um esteta.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dia da partilha

Enquanto espreitava mestre Sami em plena labuta, ouvi-o desgostoso referir a escassez de títulos benfiquista dos últimos tempos (últimos é como quem diz). Não querendo vê-lo cabisbaixo num dia que se quer de esfuziante partilha, aqui fica a minha sentida contribuição para o aliviar de tais pensamentos nebulosos. E que até vem a propósito de outras partilhas que urge reactivar.

Candido Portinari "Futebol" (1935)

terça-feira, 9 de junho de 2009

Noches de pasión?

Há dias assim. Que se arrastam pesarosos, sem uma centelha que os faça desabrochar. Como se fossem um encontro falhado com o mundo, eternamente adiados. E que nos fazem a baixar a guarda, porque não há mal ou bem que nos possa acontecer.
Até que, tarde e a más horas, a senhora dona vida decide-se a fazer-nos uma visita, e não se poupa a trabalhos para que esse, até então anónimo, número no calendário, garanta o seu lugar num futuro tomo biográfico. Isto em dois telefonemas apenas, um há muito ansiado, outro há muito receado. Simples.
O que vale é que há um hermano a respirar melhor hoje e como quem se junta às festividades, há também o regresso da nossa telenovela preferida. Desfrutalo hermano.


segunda-feira, 8 de junho de 2009

Andar a dormir



"I heard they were taming the shrew
I heard the shrew was you

You might as well say fuck me cause I'm gonna keep on

Keep on loving you


I'd crawl over fifty yards of broken

Glass just to hold on your hand

Sleeping is the only love


I had this friend his name was Marc with a "c"

His sister was like the heat coming off the back of an old TV

Their folks were slain in their Reed Boiling Springs home

It was the worst of the Lord, some of the worst of the Lord


Later I'd come to find

Life is sweeter than Jewish wine

Give a box of candy or a foot massage

Some people don't take the time


I'd crawl over fifty yards of burning

Coals just to make it with you

Sleeping is the only love
"

domingo, 7 de junho de 2009

Ponto a ponto II

Georges Seurat "Un dimanche après-midi à l'Ile de la Grande Jatte" (1884-1886)

sábado, 6 de junho de 2009

Ponto a ponto

Na vigésima meia-final consecutiva em torneios do Grand Slam, domou-se o potro argentino como já se tinha domado le freak. Amanhã segue-se a décima oitava final de um torneio do Grand Slam. Allez, Allez, Federer!

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A tragédia calça luvas


As palavras que se ouvem mais vezes ao longo de Tyson, o belíssimo documentário de James Toback, são "medo" e "assustado". Que não casam lá muito bem com auto-epítetos como "sou feroz, eu quero os vossos corações, eu quero comer as vossas crianças" ou "sou o mais brutal e o mais vicioso, sou o campeão mais cruel que alguma vez houve".
É desse contraste que vive o filme. Temos Mike Tyson, agora com cerca de quarenta anos, longe da ribalta e mais maduro, a rever a sua carreira e vida pessoal, justificando os erros cometidos com o facto de ser apenas um miúdo franzino e de óculos que cresceu com problemas de saúde, ou seja, que levava porrada que se fartava, criado por uma mãe promíscua e um pai ausente num bairro duro, onde cedo acedeu ao mundo do crime e por arrasto aos reformatórios para jovens. Um rapazinho assustado portanto, muito assustado.
E é fascinante ouvir a versão de "Iron Mike". A fragilidade que emana da sua figura monstruosa (dos olhos sobretudo), a emoção que o deixa quase K.O. quando se refere às poucas pessoas que o acarinharam e já partiram (principalmente o seu mítico treinador Cus d'Amato, o pai que nunca teve, e que lhe injectou a confiança necessária para se tornar no campeão que viria a ser), a obsessão em dominar mulheres poderosas, em "quebrá-las" sexualmente, as tentativas (por vezes ridículas) de imitar o ídolo Ali na retórica arrogante, a facilidade com que os vários parasitas que o bajulavam o sugaram financeiramente. Tudo isto e muito mais, expresso através do seu vocabulário sui generis.
Mas mais fascinante ainda, é irmo-nos apercebendo, pouco a pouco, que "Kid Dynamite" aprendeu exactamente zero durante essa vida inteira de altos e baixos. É ainda o mesmo rapazinho confuso, a quem um dia explicaram que através do boxe poderia ser respeitado e ultrapassar as desvantagens do berço e da cor. Quanto muito aprendeu (mas muito ligeiramente), a disfarçar a agressividade, a besta em que entretanto se tornou e que se esconde naquele coração.
Porque quando a película acaba, não restam quaisquer dúvidas que, não fosse o boxe um desporto altamente desgastante e exigente fisicamente (especialmente no caso de Mike, que não fica a dever muito à inteligência e praticava um boxe brutal do ponto de vista físico), ainda hoje por aí andaria, em êxtase, a pulverizar adversários, a dominar mulheres e a cometer exactamente os mesmos erros, um por um. Nas sua palavras (se não me engano, no seu regresso aos ringues, depois de ter cumprido pena de prisão pela famosa violação de uma concorrente a Miss Black América): "Se eles querem que eu seja lixo e escumalha, eu serei lixo e escumalha. Mas serei lixo e escumalha angelical". É a vitória possível.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ingénito

"Agora que tenho tido montes de tempo para matutar nisso tudo, não consigo perceber - por mais voltas que dê à cabeça, não encontro uma explicação - por que raio é que fui gostar de uma rapariga como ela. É que Marge não é bonita, não tem um corpo digno desse nome e, já agora, também não tem cérebro nenhuma naquela cabeça. Mas Marge é uma loura natural e se calhar isso explica tudo."

em A Minha Versão das Coisas, de Truman Capote

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Não pode ser errado


Os Built to Spill sempre foram um veículo para o talento pópe de Doug Martsch. O veículo perfeito, acrescente-se. Herói indie à moda antiga, daqueles que cospem riffs como se as suas vidas dependessem disso mas solam com a certeza de estarem condenados ao inferno. Numa só canção dos Built to Spill pode-se encontrar, numa cadência esquizofrénica, mais ideias que num "best of" de muitas bandas hiper-badaladas. Será talvez essa a principal razão para nunca terem visto ser-lhes reservado um merecido lugar no panteão musical, ao estilo de uns Pavement ou de uns Dinosaur Jr., mas também a razão porque os seus álbuns têm envelhecido tão bem.
Depois de um primeiro longa duração, que não era mais que uma compilação esparsa de vários temas que foram compondo na fase de garagem (sim, começavam-se carreiras assim nos anos noventa), surge There's Nothing Wrong With Love em 1994, uma obra-prima, do épico ao despojado, do céu ao inferno, apaixonado e apaixonante numa dúzia de canções, e que canções. De In the Morning e Reasons, a brilhante dupla que abre o álbum e dá o mote para uma das mais loucas viagens de que há memória, até Stab, um épico tangível, passando por Twin Falls, provavelmente uma das melhores músicas de sempre com menos de dois minutos, há muito por onde escolher. Nem falta o toque de humor, com um mordaz "sneak preview" do álbum seguinte, que ironicamente seria a primeira gravação da banda para uma major.
Deixo aqui a mais cândida Car, que não é por isso menos exigente para o ouvinte. Exige o volume no máximo, um coração grande, e coro aplicado a secundar: "I wanna see movies of my dreams". Ainda queremos.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Odores do Mississippi

Big Daddy: What's that smell in this room? Didn't you notice it, Brick? Didn't you notice the powerful and obnoxious odor of mendacity?
Brick: Yes, sir, I think I did.
Big Daddy: Ain't nothing more powerful than the odor of mendacity. Didn't you notice it, Gooper?
Gooper: What, sir?
Big Daddy: What about you, Sister Woman? Didn't you notice an unpleasant smell of mendacity in this room?
Mae: I don't even know what that is.
Big Daddy: You can smell it. It smells like death.

em Cat on a Hot Tin Roof, argumento de Richard Brooks e James Poe, a partir da peça homónima de Tennessee Williams

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Uma questão de relógios

Em Paris, a conjugação promete: a boa forma do sarrafeiro catalão (que durava há sensivelmente trezentos anos) desvaneceu-se finalmente e foi eliminado; dos restantes cabeças de série, nenhum parece especialmente inspirado, tirando talvez Andy Murray; e o nosso helvético favorito (admito que haja quem prefira Ursula Andress, mas só devido ao talento acrobático) continua num crescendo, que se espera e deseja imparável.
Roger saiu do armário, arregaçou as mangas, fez a sua travessia do deserto, e agora vê o seu relógio biológico reencontrar a precisão suíça a que nos tinha habituado. É óbvio, não é? Federer não só anda pelo maispeice, como anda viciado no mesmo que eu: "relógio biológico, hora de ir para o trabalho, relógio biológico, acabou a idade do armário", tem-se ouvido trautear pelos chuveiros de Roland-Garros nestes dias.