Embora embriagada com a excitação, ainda não vestia na pele a confiança absoluta de estar no sítio certo, somente a ganga justa e a blusa esvoaçante. Não que duvidasse que não havia sítio mais certeiro para se estar, isso soube-o antes de entrar, soube-o há alguns meses atrás, nos corredores do liceu.
As parceiras de crime também não colaboravam, nem mesmo a sua habitual aposta segura: a loira de sorriso fácil e copo na mão. Ela era a sua única hipótese, a locomotiva que puxaria todas as outras carruagens, mas para isso era necessário combustível, e naquela noite, pura e simplesmente não havia maneira de ela encher o depósito. Estaria a habitual confiança inabalável da sua amiga a tremer finalmente? Por mais que lhe agradasse a ideia de a ver descer do seu pedestal, não era aquela a noite certa. Não, nunca naquela noite.
Ainda faltavam algumas músicas, a sua favorita e mais duas ou três pelo menos, e a esperança mantinha-se à tona por entre os goles que ia dando na sua pequena garrafa de água. Ela via o filme vezes sem conta na sua cabeça: a loira sorria-lhe e com um pequeno movimento de cabeça perguntava-lhe se queria ir mais para a frente, ao que ela respondia muito calmamente, parecendo até ponderar um pouco, que sim. Seguia-a então até às ondas, tentando controlar o nervoso miudinho ao mergulhar por entre os corpos suados dos rapazes e raparigas mais fixes da cidade. Aquele lugar mágico onde é permitido fechar os olhos, sorrir e deixar-se levar pela corrente. Onde cada nota desafinada encontra um afinador nas gargantas do lado. E de repente, sem saber como, via-se na crista de uma enorme onda. O tempo cristalizado, enquanto eles tocam só para ela, enquanto ele canta só para ela, aquelas palavras como ela nunca as ouviu, subitamente insufladas de significado e tão certeiras, subitamente tão verdadeiras.
Se ao menos a loira enchesse o depósito.