segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dia perfeito

Chega hoje às lojas Nem Lhe Tocava, o há muito esperado novo álbum do Samuel Úria, a cuja música, nem todos os elogios dispensados nos últimos tempos, e não têm sido poucos, conseguem fazer jus. Não é de ontem, embora habitem em si os espíritos do passado, nem representa o amanhã, embora ele por lá se deixe adivinhar. Intemporal, arrisco eu, sem sequer necessitar de puxar do ás de trunfo que é a lírica, cada vez mais desconcertante, do bardo tondelense.
Em antecipação ao lançamento, há já uns dias que circula pela net, este vídeo aí em baixo, uma pequena montagem de algumas imagens que eu e o meu irmão, Filipe Fernandes, recolhemos aquando da passagem do flor caveirense pelo estúdio para gravar justamente o disco que agora nos chega. Para breve, sim, o verdadeiro desafio: um teledisco que consiga estar à altura destas canções e de um lendário trabalho gráfico. Não se afigura fácil, mas em consonância com o espírito do poeta, se fosse fácil, não o fazíamos.

 

domingo, 29 de novembro de 2009

O cossaco teatral (a Davydenko)


Konstantin Korovin "Café de la Paix" (1906)

sábado, 28 de novembro de 2009

Os mestres

Foi um jogo fantástico, a meia final entre Davydenko e Federer, que terminou com uma justa vitória do russo. Roger, embora já não seja dono do ténis assombroso que o colocava a milhas de distância de toda a concorrência (pelo menos quando não está num pico de forma físico), continua a ser o melhor jogador do circuito e só um Davydenko em super-forma conseguiu bate-lo pela primeira vez na sua carreira, numa demonstração cabal de resiliência e nervos de aço. Merece a melhor das sortes para a final de amanhã contra o jovem potro argentino.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A ponta da Korda

Inaugura na próxima semana, na Galeria Torreão Nascente, na Cordoaria Nacional, a exposição Korda Conhecido Desconhecido, cujo nome não poderia ser mais certeiro. Embora Korda seja um nome de referência da fotografia mundial, a sua obra é praticamente desconhecida do público, completamente ofuscada que foi, pela foto que se tornaria icónica de Che Guevara. Oportunidade única de mergulhar nesse mundo de beleza que Albert habitava.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O grito fundador

Quando muito puto, sequestrava a máquina fotográfica de serviço durante as férias em família, auto-intitulando-me o rei do clique, fazia-o em grande parte devido a esta canção. O meu estrangeiro, ainda a dar os primeiros passos, não me permitia decifrar tudo o que os ídolos do meu pai cantavam (e as traduções adulteradas que os meus progenitores me tentavam impingir também não convenciam), mas não valia a pena virem-me dizer que não havia qualquer coisa de perigoso em frases como all the crap I learned back in high school, no pulsar daquela canção que se impunha ao primeiro acorde.
Ensinou-me que havia um sedutor mundo de possibilidades por detrás de cada câmera, e que, sofregamente, também eu iria procurar as minhas nice bright colours, os meus greens of summers, os meus sunny days.
E aquela frase final, Mamma, don't take my Kodrachrome away, em repetição ad eternum na cabeça de um puto, sem um se faz favor que fosse a acompanhá-la, não era um pedido, era um grito, talvez o primeiro grito de rebeldia que alguma vez me chegou aos ouvidos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ascender II



 

 
Fotos de Li Wei, da série Falls

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Ascender

É a beleza do aipode, dá-se umas voltinhas na rodinha e damos de cara com um profeta de que já nem nos lembrávamos. Não oiço falar dos Lift to Experience desde o The Texas-Jerusalem Crossroads, editado no longínquo ano de 2001 e que, verdade seja dita, é álbum que não se faz rogado à responsabilidade de ser tomo único de uma carreira. Eram assim esses dias, com mais dois vultos no skyline de manhattan, e sem aipodes nos bolsos. É gente para não ter lidado bem com os anos zero.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Father McKenzie

Se precisarem de uma capela ou igreja ali para os lados de Grândola, como por vezes me sucede, padre Manuel do Rosário is your man. Digam que vão da minha parte e pode ser que ainda voltem para casa com uns belos exemplares do melhor queijo da região. Se o presbítero o diz...

domingo, 22 de novembro de 2009

You are the quarry



Paul Cézanne "Carrière Bibemus" (1898)

sábado, 21 de novembro de 2009

O avental

Ele entretinha os convidados na sala com a sua espartana selecção de temas de conversa pequena, guiando-os a seu bel-prazer pelos arredores da sua mente, deixando-os contornar aquele muro rosa e até vislumbrarem por um segundo os portões dourados que os separavam daquele jardim de ideias e sonhos que derreteriam por certo as mentes de tão incautos visitantes, quando ela entrou esbaforida, limpando as mãos ao avental que ele próprio tinha ajudado a atar há duas horas atrás, mais apertado do que o necessário, mas não demasiado, somente o suficiente para que o incómodo que lhe causava se diluísse por entre a azáfama própria do preparo de um jantar para tantas almas esfomeadas, revelando a firmeza elástica da sua bem delineada figura de um modo a que nenhum vestido alguma vez poderia ambicionar. Observando-a a vir na sua direcção, perseguida pelo cheiro a tomilho e carne assada, sabia estar mais uma vez validada a sua teoria de que as mulheres são mais sensuais quanto mais não o querem ser e não quanto mais querem parecer não o querer ser.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

De ontologia


Foto de Edgar Martins, da série Hidden

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Sol de Natal

Acho uma pena que a loucura toda dos discos e canções sazonais, que cresce a olhos vistos de Verão para Verão, não tenha continuação na época natalícia, como a que agora se aproxima. Um fogacho ou outro, mas coisa pouca para criar uma onda, perdão, uma avalanche. Eu vou tentar dar a minha singela contribuição mas anda por aí muito menino e menina, com outras responsabilidades musicais, a fugir com o rabo à seringa. Vista do ângulo certo (e na quantidade certa), a gemada pode ser tão fixe quanto o sol.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Levados à certa

Se eu tivesse fakebook, e alguém que fosse meu "amigo" no fakebook lá metesse este vídeo, poderiam ler por baixo, ou ao lado ou lá onde é que é, a seguinte declaração: c de croché gosta disto, e depois aparecia uma daquelas mãozinhas todas catitas a pedir carona. Espero sinceramente que este vídeo esteja no fakebook.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

BQE

Deixei a imponente Verrazano-Narrows para trás e sobrevoei a Brooklyn esculpida na pedra castanha. Abri a janela e deixei entrar o cheiro a folha caduca que chegava de lá longe, daquela enorme mancha verde que dá pelo nome de Prospect Park, mesmo antes de me aventurar na travessia das águas escuras de Gowanus Canal. Resisti estoicamente ao apelo do Battery Tunnel, que nós tenta convencer a fechar os olhos e só volta-los a abrir quando sobre nós incidir a sombra do desespero em forma de arranha-céus. O meu mergulho seria outro, logo depois da Atlantic Avenue, pelas entranhas do Brooklyn Heights Promenade, enquanto lá em cima, alguém  passeava o cão com o olhar perdido para lá do East River, no distinto perfil da joía da coroa de Wall Street. Virei as costas à Brooklyn Bridge e apanhei boleia da Park Avenue para depois de me lançar afoito para norte, serpenteando por cima das avenidas de Queens. Mais à frente, o hipnótico Maspeth Creek recebeu-me de braços abertos e, sem que eu tivesse dado por isso, cuspiu-me para uma sinistra parada por entre os verdes cemitérios. Acelerei até à Grand Central Parkway, furando por entre mais expressways, carris e túneis, que levam e trazem, todos os dias, os milhares de almas que vão soprar vida ao coração da cidade. naperãos viajou a convite de Sufjan Stevens

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A carripana confessa-se

"...chassis amolgados, cheios de ferrugem, guarda-lamas com cores que as tornavam invendáveis e para desencorajar Mucho, e o interior cheirando desesperadamente a crianças, a aguardente dos supermercados, a duas e às vezes três gerações de fumadores de cigarros, ou simplesmente a pó - e, limpo o interior dos carros, era preciso examinar os resíduos destas vidas, e era impossível distinguir entre aquilo que tinha verdadeiramente sido rejeitado (e suponha que por medo se guardava o pouco que aparecia) e aquilo que muito simplesmente (talvez tragicamente) tinha sido perdido: talões agrafados oferecendo descontos de 5 a 10 cêntimos, bilhetes, propaganda de baixas de preços em supermercados, beatas, pentes desdentados, ofertas de empregos, páginas amarelas arrancadas de listas telefónicas, farrapos de roupa interior ou de vestidos fora de moda que serviram para desembaciar um pára-brisas para que se pudesse ver o que havia para ver, um filme, uma mulher ou um carro que se cobiçava, um chui que talvez o levasse dentro porque não tinha mais nada para fazer, ninharias todas elas envoltas invariavelmente, como uma salada de desespero, num condimento cinzento de cinzas, de gases concentrados de escapes, de poeira, de desperdícios humanos - ficava doente só de olhar, mas tinha de olhar."

em O Leilão do Lote 49, de Thomas Pynchon

domingo, 15 de novembro de 2009

They shoot horses, don't they?


Edgar Degas "Chevaux de Courses Devant les Stands" (1866)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O draperismo ao anoitecer em 5 passos:

1. Apanhar o das 5:31 e fumar um maço enquanto observa com expressão grave como a paisagem desfocada lá fora é uma metáfora perfeita do enorme borrão que é a vida moderna.
2. Sentar-se à mesa de jantar enquanto aprecia um uísque bem servido e espera pela refeição caseira e pela família perfeita que o seu trabalho árduo pagou.
3. Ir dar um beijo de boas noites aos pequenos quando já estiverem a dormir para poder observar com expressão grave aquele quadro perfeito de inocência que lhe dá forças para suportar o dia-a-dia. 
4. Ligar ao psiquiatra da esposa perfeita para receber o relatório semanal.
5. Fazer amor com a esposa, imaginando que está com outra pessoa, culminando num orgasmo acompanhado de um toque de angústia e uma pitada de auto-comiseração.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O draperismo pela manhã em 5 passos:

1. Chegar ao escritório cedo, ainda a cheirar à cama quente da amante ali na cidade enquanto a sua esposa prepara os pequenos para irem para a escola na esplendorosa moradia nos subúrbios.
2. Pedir à secretária para lhe trazer um balde de gelo daí a dez minutos.
3. Apanhar uma camisa branca lavada daquela gaveta no fundo da secretária e barbear-se com precisão euclidiana.
4. Repor os níveis de brilhantina no cabelo impecavelmente cortado.
5. Resolver a primeira crise enquanto bebe o uísque inaugural e amassa o primeiro maço do dia.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Cá fora

Cá fora, os filtros encostavam-se aos lábios, que pouco depois expeliam, não fumo em segunda mão, mas grandes nuvens quentes de confiança. Confiança de que ia ser um grande concerto. Uns porque já tinham passado por aquilo, outros porque já tinham ouvido falar, e ainda outros porque, mesmo em disco, era óbvio que aquela não era gente para falhar numa transacção de contornos tão simplistas como a que a noite propunha, pelo contrário, parecia talhada à sua medida. Lá dentro, o esperado, como confiantemente se esperava. Numa palavra: festa.
De volta à rua, a verdadeira medida do triunfo. O sol não brilhava e não havia uma sensação colectiva de que o mundo era agora um sítio diferente mas a cidade parecia mais bonita, agora que era acompanhada pela doce dolência da linha de guitarra da Hippie, Hippie, Hoorah. A melodia tinha-se escapado das cordas de aço para lhe oferecer um momento de suspensão. Um daqueles momentos em que se expira o antes e se inspira a confiança para o depois, tal como no concerto.
Não faço ideia sobre o que é que eles cantam naquela música e tenho a distinta convicção que nunca o vou saber.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

À la Humpty Dumpty

Ronnie: Mr.Shields, tear down this wall! 
Mr.Shields: Never. Ich bin diese wall!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O muro, claro

A Europa está em festa. Faz mais ou menos 20 anos que o muro se levantou.

domingo, 8 de novembro de 2009

O nobre selvagem


Paul Gauguin "Fatata Te Miti" (1892)

sábado, 7 de novembro de 2009

Cruzar espadas

A nossa pequenez não passa da inevitável condição da nossa grandeza. A espada pela qual viver e morrer. Cravada no peito para que não voe.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Os intrépidos derrotados

Não fossem os seus penteados antiquados e nada os teria denunciado. Os passos alinhados quando deixavam a cidade. O pôr-do-sol. Ombro com ombro, disparando da cintura. O pistoleiro e a sua fiel nuvem de pó.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Hard Rain's A-Gonna Fall



Foto de Lisa Kereszi

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Mitolândia

Bem antes da saída do disco de estreia em 2007, nenhuma das mais reputadas casas de apostas acreditava na hipótese de os membros dos Vietnam sobreviverem tempo suficiente para sequer se poder sonhar com a gravação do mesmo. Os excessos, praticados regra geral em frente ao público, nas tentativas de concertos que iam acumulado pela grande maçã e arredores perpetuavam o mito, e cada oportunidade de os ver era aproveitada pelos seus seguidores como se fosse a última. Consta inclusive que em alguns desses encontros da "banda" com o seu "público", nenhum instrumento chegou sequer a ser tocado, tendo-se dado claramente prioridade à partilha de estupefacientes e álcool.
Ao que parece, entretanto meteram na cabeça que haviam de se parecer com uma banda a sério, com concertos mesmo, discos, vídeos e assim, o que são muito boas notícias.  Não porque tenham de ser uma banda como manda a lei (Deus sabe que nunca o hão-de conseguir) mas porque enquanto tentam vão fazendo canções como esta.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

"A morte de todos nós"

Haviam as drogas: as duras que flutuavam dentro do seu corpo desde a noite anterior e as leves que engordavam a olhos vistos naquela manhã, havia o céu nublado, havia o ar fresco que não resistia ao convite da janela escancarada e lhe feria as narinas dormentes e havia a voz de Doug Yule a pairar pelo quarto, na sua incessante demanda por quem ama o sol. Quem poderia ele culpar? Talvez esta, talvez aquela. Talvez uma frutuosa combinação de todas.
Mas havia duas coisas das quais ele estava certo: que era uma pergunta muito apoucada para se fazer naquela manhã, a que por ali ressoava, e que não havia combinação no mundo que justificasse aquela necessidade, tão excitante quanto angustiante, de discutir com o seu amigo de longa data. Uma necessidade, não vontade, de discutir, não de conversar. Se dúvidas ainda houvesse,  aquela era a prova de que a situação em que se encontrava não era fruto do acaso. Tais palavrões só podiam ter sido exibidos à frente da sua mente rameira por alguém tão desejoso de vingança, tão sinistramente sorridente, tão voluptuosamente cândido, que esperou pacientemente, sabe Deus quantas estações, por um momento de fraqueza, por um baixar da guarda que lhe permitisse finalmente concretizar o seu há muito elaborado plano. Provavelmente, o mesmo alguém que desde há uns tempos para cá, por acreditar veementemente que era o que ele viria a ser, se limitava a chamá-lo "a morte de todo nós".
Só que esta necessidade não deambulava sozinha pelas suas entranhas. A acompanhá-la, certezas tão incomodativas como a de que o encontro com o seu amigo teria de ser ao pé da casa dele, naquele mundo de tortuosos prazeres a que chamam restaurante de comida rápida, com a sua luz fria, a sua carne quente, e as sua pessoas mornas. E havia mais. Tudo aquilo de que falariam, o que há muito tinha de ser dito, o que volta e meia tem de ser repetido, desfilava ordenadamente e com uma clareza impressionante à sua frente. Desde a excitação infantil com que perguntaria ao seu amigo se ele amava? como é que sabia? quando é que soube? até ao velho tema da comunicação. Discutiriam os bairros sociais, os condomínios privados, contar-lhe-ia os seus planos, para hoje, para amanhã, questionaria-o sobre os seus. Iria ser surpreendido, isso era certo. Sempre que se embrenhavam numa conversa franca e sem limites algo inesperado surgia, algo que ele se foi habituando a analisar de duas perspectivas distintas, intercaladamente, ao longo dos anos: por vezes, prova do quão mal conhecia o seu amigo, doutras, prova inquestionável de confiança.
Claro que não começariam imediatamente nesta discussão maior que eles próprios, primeiro tinham direito a uns minutos de conversa pequena de aquecimento, aquela a que normalmente um deles se agarra com unhas e dentes, receoso do silêncio, do implacável silêncio que tudo expõe. E seria agradável claro, as parangonas, as artes, a morte do radialista. Contar-lhe-ia como, aquando da morte deste, ele se encontrava numa entrega selvagem a uma música desabitada num qualquer prédio sofisticado lisboeta. Ele compreenderia a ironia, ele rir-se-ia com ele. Mas isso era o que eles faziam bem. Bem demais, até.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ba ba ba ba baaaa ba ba ba ba

Quem precisa de sincronismo para dançar com uma gaja como tu?

domingo, 1 de novembro de 2009

Patriarca sefardita


Camille Pisarro "Étude à Pontoise" (1878)