domingo, 31 de maio de 2009

Uma questão de ondas

Embora se tenham revelado descabidas as previsões de ondulação forte para este fim-de-semana no Bairro Alto, as revoltas águas clamavam desenfreadamente por intrépidos marinheiros.
E assim se respondeu ao apelo das tágides, rumando a sul e ofertando os pés às lambidelas das ondas que se desfaziam em apoteose na pedra centenária. Uma dança convulsa, ora indignada, ora comemorativa, que acolhia de novo o cais das colunas no órfão leito do rio.
Entre um grupo de panques chineses, com queda para as baladas, e um casal que se predispunha a tirar o melhor proveito de todo o potencial romanesco do local, sou capaz de jurar que descortinei o fantasma do vapor D. Luís a atracar bravamente, fitando nos olhos Manuel Buíça e seus comparsas.
Ao longe, uma winchester implacável fazia soar o seu trovejar de morte.

sábado, 30 de maio de 2009

Agora escolha

Na esteira de referências de conteúdos como T2 para 3 ou Diário de Sofia, este blógue entra também na idade moderna e abraça (com a força com que abraçaria os pescoços de alguns dos protagonistas dos programas atrás referidos) a interactividade. Nomeadamente, essa nova vertente do guionismo conhecida como "nãomeapetecepensarquemvêistoquedecida". Vamos lá a isto então:

1. Quem considera os The National uma das melhores bandas da actualidade e saliva por novas músicas, clica aqui para ver e ouvir uma acabadinha de sair do forno, que ainda nem nome tem (embora o anfitrião se ponha a tentar adivinhar).

2. Quem os considera "a banda mais irritante desde os Tindersticks", clica aqui para ler este fabuloso texto, com o espírito belicoso a que nos habitou esse blógue de causas modernistas.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A remoer nas entranhas

Às vezes ainda acordo a pensar que tudo não passa de um pesadelo. Que não, que não é possível. Que nós nunca iríamos desperdiçar a oportunidade de vê-los assim, uns a seguir aos outros, juntos dos seus, aconchegados, talvez ainda mais crus, talvez ainda mais desolados. E cruzarmo-nos com o Senhor à porta do Prado, a fugir a sete pés, só para lhe fazer a vontade. Ensopado, encosto a cabeça na almofada e sonho com um pesadelo.

Francis Bacon "Self-portrait" (1979)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

FG-25

Não é terrorista nem de extrema esquerda, mas Filipe da Graça também manda as suas bombas:

"Para tocar as pessoas é preciso tocá-las, literalmente."

Aplicável aqui nesta esfera e em muitas outras.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A morte da festa

Neste preciso momento, passados doze anos, é o melhor álbum que toda a geração brit-pop e suas ramificações pariu. Naturalmente, um filho da melhor banda dessa mesma geração de gents. Onde se reinventaram, onde espreitou na dose certa a costela lo-fi de Coxon, onde Alex James convocou Midas ao seu baixo, onde o talento de Damon Albarn foi perigoso pela última vez.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O primeiro shoegazer

J. M. W. Turner "Procession of Boats with Distant Smoke, Venice" (1845)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Da moral do artista

David: Listen, Flender. I'm completely mixed up. Ellen, Ellen, I love Ellen. She's been with me the all time, stuck by me.
Sheldon: Yeah.
David: I knew she would be happier back in Pittsburgh, we've had a great relationship.
Sheldon: Right.
David: I love her dearly.
Sheldon: Yes. Yes.
David: And yet...
Sheldon: Get to the point. What is the problem here? It's always been clear that you've loved Ellen.
David: I've become involved with Helen Sinclair, and I feel terrible. But I can't help myself. She's so charismatic, and she's brilliant and beautiful. I mean, a real artist, and, and we speak the same language.
Sheldon: You're wracked with guilt.
David: I'm wracked with guilt.
Sheldon: You're wracked with guilt.
David: I don't know whether...
Sheldon: You are wracked with guilt.
David: I can't sleep.
Sheldon: Guilt is petit-bourgeois crap. An artist creates his own moral universe.
David: I know that. I know...
Sheldon: Well? What is the problem then? Look, I'm gonna give you some advice. I'm gonna give you the same advice that was given to me many years ago when I had a very similar dilemma.
David: Similar to mine?
Sheldon: Yes.
David: To...
Sheldon: Yes.
David: What did you do? What?
Sheldon: You gotta do what you gotta do.

em Bullets Over Broadway, argumento de Woody Allen & Douglas McGrath

domingo, 24 de maio de 2009

Sei lá

Não há final de tarde nublado sobre o Tejo que não me faça viajar, por um segundo que seja, até ao Bósforo. Culpa do otomano Nuri Bilge Ceylan, um cineasta e fotógrafo que descobri tarde, é verdade, mas que conquistou um lugarzinho para sempre aqui (mão fechada ao peito, mais ou menos onde outros guardam a nova marginal da Costa da Caparica).
O poster de Climas de 2006 bem que me piscava o olho sempre que por ele passava no King, mas estava escrito que só entraria nesse mundo de céus mármore com 3 Macacos, um dos melhores filmes do ano passado (e só não arrisco dizer o melhor porque também houve Hunger de Steve McQueen).
Já este ano, quando me preparava para rever essa mesma película no BFI, deu-se o feliz acaso de por lá decorrer uma pequena exposição do seu talento fotográfico, concretamente da espantosa série For My Father, à qual pertencem as duas fotos aí em baixo. É descobrir a obra completa no sítio oficial do senhor e deixar os olhos deliciarem-se.



sábado, 23 de maio de 2009

A guitarra e a sua memória

"Só recordam aqueles que confidenciam, a recordação é uma arte que arranca da solidão e do silêncio."

do texto que sempre acompanhará Johnny Guitar por João Bénard da Costa

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Pós-nada


O Daily Show está cada vez melhor. Havia quem vaticinasse que com a chegada dos democratas ao poder e sem o trunfo George W. Bush (que realmente deixou muita gente sem o que dizer, inclusive alguns comentadores portugueses "especialistas" em política internacional), toda a base de sustentação do programa ruiria e a sua continuidade estaria em causa, agora que eram parte do sistema e perdido que estava o conforto da oposição, humoristicamente falando.
Compreende-se em parte a desconfiança, afinal foi durante os dois mandatos republicanos que o Daily Show prosperou de tal forma que se tornou uma das principais referências políticas, americanas e não só, e Jon Stewart um das personalidades mais influentes do século vinte e um (Obama pode agradecer-lhe o trabalho de sapa que fez a convencer toda uma nova geração de americanos que, não só o voto deles conta, como votar é cool). E quanto a Bush himself? Enfim, como não ficar colado a tal personagem? Nem a mais talentosa equipa de guionistas desdenharia esta personagem shakespeariana, um portento tragicómico.
Mas virada a página no livro de história, com o que é que nos deparamos? Com exactamente o mesmo. Jon Stewart e a sua equipa de "enviados especiais" continuam a denunciar e brincar com as mesmas atitudes e valores que moralmente e ideologicamente chocam com os que abertamente defende. Mais simples que isto é difícil.
A principal diferença é que essas atitudes e esses valores raramente encontram personificação na nova administração norte-americana, mas aí a culpa já não é dele (ou também é dele), Obama não é Bush, nem as suas políticas, nem as suas atitudes, felizmente. Mas pensar que não existem, isso sim é um equívoco. Toda uma maneira de pensar e de fazer política não desapareceu com o cowboy júnior, continua por aí, espalhada pelos quatro cantos do mundo.
Aliás, é essa a razão pela qual tem sido tão delicioso acompanhar a cobertura stewartiana da "regeneração" do partido republicano, que rapidamente elegeu um líder negro e de seguida saqueou o armazém onde a campanha democrata tinha guardado os cartazes com slogans de mudança, esvaziando-os de qualquer sentido em apenas alguns meses.
Longa vida ao Daily Show!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

La venganza del suizo

Quando Roger Federer joga, é como se estivéssemos a assistir a uma espécie de homenagem ao que de mais belo se fez na história do ténis; quando Nadal joga, é como se estivéssemos a assistir ao fabrico do famoso pó de tijolo de que o coño tanto gosta. Está esclarecido o grau de imparcialidade, portanto.
E não é que, no fim de semana passado, o ténis elegante voltou finalmente a superiorizar-se ao ténis rude? Graças a Deus! É que já não havia paciência para ver o sacana do espanhol morder, ainda por cima literalmente, tudo o que era taça. E com o pormaior de tal acto de justiça ter sido executado na terra batida madrilena. Será desta que Federer abocanha Roland Garros?

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mimos de Cocker

É sempre um acontecimento no mundo literário quando sai para os escaparates um novo longa duração de Jarvis Cocker, com ou sem polpa. Não é que não se adivinhe o tom e as temáticas, mas letras fresquinhas de tão inspirada pena não surgem todos os dias. Virem acompanhadas de música e uma capa tão jeitosa como a que está aí em baixo, muito sinceramente, já é estragarem-nos com mimos.



Chama-se Further Complications e fica aqui um cheirinho do que por lá se pode ler, como prova de que o homem não entrou na já típica fase de vamos deixar crescer a barba e fazer um álbum muito chato e chamá-lo maduro, pelo menos liricamente falando:

"Some girls like to play it dirty

Some girls want to be your mom

Me, I disrespected you

Whilst we were waiting for the taxi to come


My morality is shabby

My behaviour, unacceptable

No, I'm not looking for a relationship

Just a willing receptacle"


Em I Never Said I Was Deep e só para chatear, a música com que faz parceria também não é nada má.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Norwegian Wood


A Operahuset i Oslo ou Ópera de Oslo para os amigos é o último acrescento à minha lista de razões para visitar esta capital europeia. Assim, o "dizem que é bonita" e o "cidade onde entregam o Prémio Nobel da Paz" já não ficam tão sozinhos.
Que tenha sido inaugurada em Abril de 2008, sensivelmente na mesma altura em que ponderei pela última vez se não deveria ter seguido o sonho de criança de ser arquitecto, culpa da fantástica retrospectiva da obra de Charles-Édouard Jeanneret (Le Corbusier para quem não subscreve a Architecture Aficionado) no CCB, não me parece mera coincidência.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Yul Brynner & papel de parede

Ao Dom Filipe da Graça.



"Once, a mammal named Ulysses
Had thought of being star of these
African landscapes

Then, an exploitative businessman

Caught a glimpse of there

A light popped in his head


He woke to find himself inside a plane

With a purpleizing pain

And alcoholic star


You, noticing your surroundings fade

Wondering what is happening

Please everyone take care


It's like a zebra at the zoo

It's like a zebra

You're like a zebra

It's like a zebra

You're like a zebra


Run around in the modes chasing,

You forgot he has gone off to imagine

The confusion defines yourself

Now at home in Maasai Mara"

Vida de profeta II

"...e sentiu um impulso para arrancar a correr por dentro da casa do seu tio e romper pela porta dos fundos rumo à floresta. Teria abalado a correr pelo carreiro, que na altura lhe era familiar, e, deslizando e escorregando nas agulhas de pinheiro movediças, teria corrido mais e mais abaixo até ter alcançado o canavial de bambu, e teria aberto caminho pelo meio da vegetação, e teria saído do outro lado e caído dentro do regato e permanecido ali prostrado, a arfar e a arquejar, em segurança no local onde renascera, onde a sua cabeça fora mergulhada pela mão do tio em água e devolvida à superfície para estrear uma vida nova."

em O Céu É Dos Violentos, de Flannery O'Connor

domingo, 17 de maio de 2009

Rejubilai, pensou, rejubilai


Não é uma super banda mas é um super álbum, Dark Night of the Soul de seu nome. Composto a meias entre Danger Mouse e os Sparklehorse e com convidados (que parece que desempenharam um papel importante na composição e produção das respectivas faixas) de toda as maneiras e feitios, de David Lynch a Nina Persson.
Não se pouparam a trabalhos, não senhor. Temos a polémica com a editora, a campanha publicitária misteriosa, a obrigatória escassa informação e a cereja no topo do bolo, a ameaça de não chegar a ser editado. Tudo nos conformes, para pôr o mundo indie a rejubilar. Mas vale a pena ouvir, aqui.

sábado, 16 de maio de 2009

Aqui d'El-Rei

O reinado dos protestantes escoceses Camera Obscura foi curto, escorraçados que foram pelo mui desejado primógenito d'Os Golpes, esse último reduto da cristandade, que só uma folha A4 a dizer esgotado impediu que aportasse por cá há duas semanas atrás. Isso, e o facto de não ter ido antes à Fnac. Por lá se pode ler que: "os figurinos foram desenhados por Pedro Eleutério - BURGUESES & REBELDES."
Estou certo que Dom Sebastião, em pessoa, os condecoraria.

Da moral secular

O céu não é só dos violentos, é também dos que são pacientes e que queiram ou possam despender 150€. Não querendo ou não podendo, a paciência por si só não salva. E aí é que só mesmo à porrada.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Guarda-sóis de cherbourg

Já falei com a sra. Annie Clark e já nos entendemos. Quando a primeira folha caduca vier poisar gentilmente no meu colo, logo se dará a devida atenção ao que parece ser um belíssimo álbum. É que não é assim que se vai convocar o sol para estas latitudes. Volto-me para os Camera Obscura, banda que não me apetecia reencontrar já mas que, apesar do nome e do tom acinzentado do vídeo, faz bem mais para obrigar as Catarinas lisboetas a sacudir o pó aos coloridos guarda-sóis.

Balões a encher

Um ensaio de duas horas, seguido de uma sessão de imperiais com o futuro presidente do núcleo de fãs do Alto de S.João, foi quanto bastou para começar a insuflar dois novos balões, Filipe da Graça, o profeta do beduínourbanocomumcheirinhoderoqueeneroleeoutrodemontreal, e a proto-banda do passado, (nome ainda em discussão), e a sua inovadora combinação de música e letras. Eu ia querer estar por perto quando eles rebentarem.
Entretanto, enquanto espero que o meu ep seja misturado, masterizado, atirado contra as paredes, insultado, olhado de lado e tudo o mais, vou-me apercebendo de novas flores a querer despontar no quintal. Esta, se tudo correr bem, vai ser a primeira cliente de uns prometidos concertos, de trazer por casa, por essa Lisboa fora. Chama-se Motim com Bounty e reza assim:

"Minha flor, há séculos que ando para te perguntar
Por essa marca no teu dedo anelar

Que teima em não se dissipar

Que só dá em amarelar


Quero que saibas que hoje escrevi uma canção pópe

Que me chegou como tu, despida e a galope

Não é sobre ti, é sobre um certo je ne sais quoi

Que não sei o que é, mas que está lá


Minha flor, há que tempos que me ando a questionar

Se meio corpo te chegará para brindar

Na marquise penduras a lingerie preta

E não dás ares a essa tal de Julieta


Já deves ter reparado que hoje escrevi uma canção pópe

Tal como tu, só precisa de um ou outro retoque

Não é sobre ti, é sobre aquele generoso chá

Que não sei de que é, mas que serves por lá


O motim alastrou-se

À travessa da água-da-flor

Mas continuas na graça do Senhor

Enquanto te lambuzas com o teu chocolate

É de cocô o teu chocolate"


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Vida de profeta

"O rapaz orgulhava-se muito de ter nascido num desastre. Sempre sentira que isso destacava a sua existência da vida ordinária dos demais, e depreendera desse facto que os planos que Deus traçara para si eram especiais, pese embora nada de consequente lhe tivesse acontecido até à data. Muitas vezes, quando passeava pelos bosques e se deparava com alguma sarça ligeiramente afastada das restantes, a respiração prendia-se-lhe na garganta e parava à espera que a sarça rebentasse em chamas. Tal ainda não acontecera."

em O Céu É Dos Violentos, de Flannery O'Connor

Porque urge reconstruir esta ponte

quarta-feira, 13 de maio de 2009

É só engatar

No aquecimento antes da gravação de um xilofone que tem andado fugidio, o meu produtor, à beira do fratricídio, entoava uma melodia magnética. Palheta puxa palheta e quando se deu por isso, era ir desfilando as tablaturas no écran enquanto se tentava chegar pelo menos à porta da caverna donde Stephin Merritt gargareja todos as manhãs.
O mais extraordinário é que nunca aprendo a lição e de cada vez que passeio por esses campos, sou desarmado pela simplicidade de cada canção com o selo Merritt: engata-se três acordes simples, uma melodia irresistível, quatro versos carregados de humor mordaz e alguém que pressione o botão vermelho e redondo se faz favor.
Méritos à parte, quando não em agrupamentos cujo manifesto comporte palavras como suar, supurar ou menear, é deste modo que se pretende tricotar na intimidade de um quarto. Porque sempre que a insegurança do simples atacar, está lá esta pópe descomprometida para a aplacar.



p.s. - informação para os fãs mais morreduro, o xilofone foi gravado e o ep está definitivamente acabado (pela quarta vez este mês). Seguem-se misturas este fim de semana e a Zu trabalha afincadamente no grafismo da coisa.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Os amigos de Alex

É duro ver um homem de 56 anos passar por um sem-abrigo, e com os olhos molhados, dizer ao seu filho: "Não conseguimos cumprir aquilo a que nos propusemos, o direito à justiça, o direito ao pão. A democracia só existe para os endinheirados, só se construiu um equívoco. Desculpa pelo mundo que vos deixo."

Nessa noite, o filho recordou um pai que há muitos anos atrás, ainda não pai, ainda filho, tocava viola na Boulevard Saint-Germain só até ter dinheiro suficiente para uma baguete e um bilhete para passar o resto do dia no Musée d'Orsay em tão impressiva companhia.

Claude Monet "London, Houses of Parliament. The Sun Shining through the Fog" (1904)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Domingo no mundo

Edward Hopper "Sunday" (1926)

Desperto para me embrenhar no Falconer outra vez, e desta já nem Deus sabe porquê. Lá se foi a manhã. Tomo banho tarde demais, só para descobrir que não há almoço. Gravar o xilofone é menos apelativo que a final do Estoril Open e todo o aparato próprio da reportagem desportiva anual da revista Caras? Assimilado o ritmo do jogo, interrompe-se porque apesar de não estar muito bonito, o dia é lá fora. E o Blake vai ganhar em dois sets, já vi o que interessa. Na feira do livro, não há gelados à vista, come-se um churro que não se queria portanto. Porque é que este gajo nunca tem dinheiro com ele? Directos à Relógio D'Água, resquícios da excelente faina do ano anterior que não se repete. Pesca-se um Malcom Lowry, que se queria tanto como o churro, mas que vem por um euro. O Xandi está a ver sapateado um bocado mais abaixo da Assírio & Alvim. Café. Era o Michel que sapateava e eu devia conhecê-lo. Afinal há gelados. O irmão compra um livro, na esperança de lá encontrar fotogramas da juventude que anda de skate. Um vestido vermelho. Onde é que está o "pitching para tótós"? Há uma banca da Fnac, só falta... A Leya encarrega-se de trazer o que falta. Um francês sobre um alemão: "Um homem sem falhas, na obra tal como na sua existência". É um insulto que o alemão não merece, especialmente vindo de um francês. Emoções olímpicas antes da despedida em glória da comitiva de Carnaxide. Finalmente, o prometido vasculhar na Assírio. Que não dá em nada. De volta a casa. O Button ganhou a quarta em cinco. O Blake perdeu. Tenho de rever o The Trouble With Harry. Tenho de rever aquele Vermont de estúdio. Está um alentejano à minha porta com uma garrafa de Monte Velho numa mão e um veículo na outra, pronto a ir buscar frango. O estabelecimento brasileiro já não vende frango, só pizzas. O Tales aprecia deveras evacuar no mercado de Sapadores. Faz um amigo novo. Tenta mutilar o amigo novo. Filhos da Nação ecoa por todos os canais portugueses. A pizza não é má, nem o vinho. Nem a sobremesa. Estrelas do poker europeu. O alentejano sai, o irmão entra. Repete-se a sobremesa enquanto se vê juventude a andar de skate. Amanhã é dia de encher a geladeira. Assisto à estreia mundial de um blógue. Passagem rápida pelo maispeice. Erro crasso, há músicas novas no tocador d'Os Golpes e tenho de explicar a um iraniano irado e que sabe a cereja que afinal já não o vou ver hoje. Particular obsessão com Tarde Livre, Parte III. Conclui-se que isto é delicioso: "O sol a querer, o portão a fechar, e eu sem, uma bola para chutar". Inspirado, arregaça-se as mangas e ataca-se o condomínio privado vs. bairro de lata. O Falconer e uma lata com um índio estampado estão ali a olhar para mim.

domingo, 10 de maio de 2009

Até que os lábios fiquem negros



Esta é das tais para vestir o conjunto aipode + ticharte colorida e sair galgando as calçadas a cantar a plenos pulmões. Quando acabar este fim de semana de Janeiro, claro. Está no último 200 Million Thousand. É sempre de saudar o regresso da única banda (que eu tenha conhecimento), em que um dos guitarristas faz solos com a pila.

sábado, 9 de maio de 2009

Mais disso

Acho que a expressão foi:"devias por lá mais disso". Aqui está.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Angústia para o jantar

Tiago Cavaco, orgulhoso conservador, de ética calvinista, viu assim o concerto d'Os Golpes há uma semana. Almirante Ramos, parte da pouca proletária Amor Fúria, ficou assim. Não posso tomar partido, por estar comprometido com as posições dos dois, com um por educação, com outro por convicção, com os dois musicalmente. Mas atrevo-me a deixar um conselho: um jantarzito, todos os dias 15 de cada mês. Sttau!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Mise en scène

As pistas de alcatrão preto dos aeroportos dos Açores são os actores principais da série When Light Casts No Shadow de Edgar Martins.
O Homem redefine fronteiras, territórios, cria objectos com objectivos. E à noite vai dormir, senhor da sua relação espaciotemporal com o mundo.
As fotos de Edgar Martins são os momentos que se seguem à hora da caminha, em que a natureza diluí as formas instáveis, despindo-nos e revelando a insipiência de conceitos territoriais, e que o que está na sua génese não é uma funcionalidade ou casualidade, mas sim um fluxo universal que tudo atravessa, e que não se pode renegar.
Isto já não é a eterna luta Homem vs. Natureza, é a expressão da eternidade.



Até 17 de Maio no Museu Colecção Berardo, integrado na exposição BES PHOTO 2008

Carne & Espírito

""Esqueci-me de te dizer", disse ele, "A Liza mandou-nos um Brie inteiro." "Muito simpático", disse ela, "mas sabes uma coisa? O Brie deixa-me os intestinos bestialmente soltos." Ele repuxou os testículos e cruzou as pernas. "Tem piada", disse ele. "A mim, dá-me prisão de ventre." Era assim o casamento deles nesse tempo - não o patamar mais alto da escada, o murmúrio de fontes italianas, o vento nas oliveiras algures, mas isto: dois tagarelas nus em pêlo, macho e fêmea, discutindo os respectivos intestinos."

em Falconer, de John Cheever

quarta-feira, 6 de maio de 2009

João B tem um travo a vinho novo



"Well, I feel so broke up
I wanna go home"

"Why don't they let me go home?
This is the worst trip I've ever been on"

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Chá

Tenho de confessar que o cinema do leste asiático nunca foi a minha chávena de chá. Claro que qualquer cinéfilo acaba invariavelmente por passar os olhos por Ozu, Mizoguchi, Kurosawa, etc..., fundamentais para compreender a história do cinema, ou por outros, que fruto da aclamação nos maiores festivais europeus, desde os anos noventa nos chegam com regularidade, como Wong Kar Wai, Takeshi Kitano ou Miyazaki.
Mas a verdade é que os danos provocados às minhas papilas gustativas pelas películas yakuza, de monstros, erótico-macilentas (esta, uma especialidade japonesa), ou o crème de la crème, as anime, são imensos e nunca me deixaram apreciar condignamente, livre dos preconceitos criados por tão deslustrosos representantes, esta cinematografia.
Até que há uns dias, numa sessão do Indie Lisboa, quando via em extasiada comoção, Breathless, do sul-coreano Yang Ik-June, uma análise da família (tema recorrente nos melhores filmes que passaram pelo festival este ano) sul-coreana e a forma como a violência, física e psicológica, se perpetua por gerações sucessivas, dei por mim a perscrutar na memória quando é que o meu estômago tinha sido tão violentamente agredido numa sala de cinema. Aquando dos créditos finais, o nome já estava na ponta da língua, Ninguém Sabe, do realizador japonês Hirokazu Koreeda, que esteve em sala no King há uns anitos, se não me engano, no mesmo ano que por lá passou a fantástica metáfora, na forma de parque de diversões, do vazio da globalização, de seu nome O Mundo de Jia Zhang-Ke, cineasta chinês. Que eu me tenha lembrado destes dois filmes, depois de ver Breathless, parece-me sintomático. Comum aos três, a extrema sensibilidade na abordagem ao indivíduo enquanto ser social, um argumento seco ("fat free", como diria David Mamet, e isto é dizer muito de Breathless, que tem 130 minutos!), temperado com uma dureza (que por vezes pode parecer crueldade aos nossos mimados olhos ocidentais), própria da circunspecta cultura oriental. Em particular, as vicissitudes próprias de cada sociedade e respectivas revoluções ou estagnações.
A ver se não me esqueço de dizer ao meu irmão que este inverno já podemos comprar mais variedades de chá, é que ficou ali um buraco na despensa, entre o mel e as bolachas, de onde caiu um preconceito.

domingo, 3 de maio de 2009

Cíbele

Afincadamente tricotais
só um agasalho mais
é hora de repousar
de desviar os olhos do cais
o caminho dos imortais
tem o cheiro da terra lavrada
pelos pais dos pais
dos teus pais
viram-se as costas
às correntes setentrionais
viram-se os peitos
às subtilezas dos pardais
soltam-se os leões no quintais
os teus infantes não embarcam nunca
nunca mais

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Agit-p(r)op!

A mais furiosa das manifestações do primeiro dia de Maio é aqui.
Luta-se contra a precariedade espiritual e reivindica-se o direito ao futuro!

A dicotomia humana

Eu sei que já disse isto antes, mas desta vez é que é à séria. Hoje é que é mesmo o melhor dos dias para um Homem começar um blogue, porque isto, embora não seja um trabalho, ainda dá um certo trabalho. Findo o diálogo dos surdos, resta o monólogo do mudo.

Ao trabalho então, e para começar, deixo-vos com um quadro de alguém que, valorizando o naperão como ninguém, o soube colocar, com pontaria, no coração da dicotomia humana.
É o que une. É o que divide.

Edward Hopper "Room In New York" (1932)