segunda-feira, 4 de maio de 2009

Chá

Tenho de confessar que o cinema do leste asiático nunca foi a minha chávena de chá. Claro que qualquer cinéfilo acaba invariavelmente por passar os olhos por Ozu, Mizoguchi, Kurosawa, etc..., fundamentais para compreender a história do cinema, ou por outros, que fruto da aclamação nos maiores festivais europeus, desde os anos noventa nos chegam com regularidade, como Wong Kar Wai, Takeshi Kitano ou Miyazaki.
Mas a verdade é que os danos provocados às minhas papilas gustativas pelas películas yakuza, de monstros, erótico-macilentas (esta, uma especialidade japonesa), ou o crème de la crème, as anime, são imensos e nunca me deixaram apreciar condignamente, livre dos preconceitos criados por tão deslustrosos representantes, esta cinematografia.
Até que há uns dias, numa sessão do Indie Lisboa, quando via em extasiada comoção, Breathless, do sul-coreano Yang Ik-June, uma análise da família (tema recorrente nos melhores filmes que passaram pelo festival este ano) sul-coreana e a forma como a violência, física e psicológica, se perpetua por gerações sucessivas, dei por mim a perscrutar na memória quando é que o meu estômago tinha sido tão violentamente agredido numa sala de cinema. Aquando dos créditos finais, o nome já estava na ponta da língua, Ninguém Sabe, do realizador japonês Hirokazu Koreeda, que esteve em sala no King há uns anitos, se não me engano, no mesmo ano que por lá passou a fantástica metáfora, na forma de parque de diversões, do vazio da globalização, de seu nome O Mundo de Jia Zhang-Ke, cineasta chinês. Que eu me tenha lembrado destes dois filmes, depois de ver Breathless, parece-me sintomático. Comum aos três, a extrema sensibilidade na abordagem ao indivíduo enquanto ser social, um argumento seco ("fat free", como diria David Mamet, e isto é dizer muito de Breathless, que tem 130 minutos!), temperado com uma dureza (que por vezes pode parecer crueldade aos nossos mimados olhos ocidentais), própria da circunspecta cultura oriental. Em particular, as vicissitudes próprias de cada sociedade e respectivas revoluções ou estagnações.
A ver se não me esqueço de dizer ao meu irmão que este inverno já podemos comprar mais variedades de chá, é que ficou ali um buraco na despensa, entre o mel e as bolachas, de onde caiu um preconceito.